Votação de MP revela “caos” tributário
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FÁTIMA FERNANDES e
CLAUDIA ROLLI
da Folha de S. Paulo
A forma como foi aprovada a medida provisória 255, que estabelece benefícios fiscais a alguns setores, revela mais uma vez o caos tributário do país, na análise de tributaristas e empresários ouvidos pela Folha. Eles são a favor de iniciativas para reduzir a carga tributária brasileira, mas consideram que isso não pode favorecer um ou outro setor da economia.
“Qualquer redução de impostos no Brasil tem de ser aplaudida. Mas o fato é que não existe lógica nessa discussão. As normas são aprovadas de acordo com a força do lobby de cada setor. O serviço de eletricidade paga, por exemplo, 9,25% de PIS e Cofins. Os parques temáticos já pagam a alíquota antiga, de 3,65%. Dá para entender?”, afirma Clóvis Panzarini, ex-coordenador de administração tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
Na sua avaliação, a ampliação de benefícios e de áreas de livre comércio na região amazônica, por pressão do senador José Sarney (PMDB-AP) é uma “excrescência” –um excesso. A emenda do senador foi incluída na última quarta-feira na MP 255, durante votação do Senado, e derrubada ontem na Câmara. Segundo acordo feito entre os deputados, o assunto deve ser analisado em outro projeto de lei.
“A MP 255 é fruto de uma situação caótica do ponto de vista tributário. O governo legisla e regulamenta diversos assuntos de uma só vez e de uma forma atrapalhada”, afirma Rafael Malheiro, advogado do escritório Braga & Marafon. Para colocar ordem na “bagunça tributária” do país, falta ao governo, na sua opinião, uma política fiscal transparente e de longo prazo. “Em outros países, as políticas são planejadas. Os prazos mais extensos permitem que os empresários também se organizem e façam seus investimentos com mais segurança jurídica. Aqui a política tributária é feita olhando para o caixa: se a arrecadação cai, o governo cria uma lei para aumentar um tributo ou revogar incentivos fiscais concedidos há poucos meses.”
Comentando o fato de que os próprios senadores admitiram anteontem desconhecer o conteúdo da votação no Senado, o advogado diz que “mesmo quem está acostumado a acompanhar o trâmite das medidas provisórias é pego de surpresa”.
“Tem sido prática freqüente no Congresso votar propostas, contra ou a favor, sem conhecer o conteúdo dos projetos. É o “voto cego”.
Parlamentares simplesmente seguem líderes partidários, lobistas ou atuam com descaso”, diz o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges DUrso.
Para o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, o Senado é formado por “homens do mais alto nível” e o desconhecimento dos temas em votação, se ocorreu, na sua avaliação, pode ter sido pontual. “Não é preciso ser especialista em tudo. Tenho confiança no bom senso dos senadores. Não podemos nos basear em casos pontuais”, diz.
A aprovação da MP 255 ontem, segundo avalia Skaf, é positiva porque traz desoneração a setores importantes da economia –como o da construção civil. “Medidas como a duplicação do teto para enquadramento no Simples estimulam os investimentos e a geração de empregos. Beneficia 99% das empresas brasileiras. Havia nove anos não ocorria mudança na tabela”, diz Skaf. “A emenda do senador Sarney causava desconforto. Uma empresa de perfume de São Paulo paga 42% de IPI, e uma do Norte, que usa matéria-prima local, vai ter isenção de tributo? Essa medida prejudica as empresas paulistas. Felizmente o bom senso prevaleceu e o assunto será votado em destaque.”
João Carlos Basílio da Silva, diretor do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), diz que o governo está vulnerável, por isso edita medidas provisórias que atendem interesses de um ou outro setor. “Esse projeto do Sarney foi incorporado à MP 255 sem ter sido debatido. Ninguém sabe nem sequer sua extensão”, afirma Silva.
Na sua avaliação, a medida provisória 255, que restabelece benefícios fiscais da extinta “MP do Bem”, não representa uma política tributária que beneficia toda a sociedade. “São benefícios para quatro ou cinco projetos industriais de alguns setores. Estive no plenário do Senado ontem [na última quarta-feira] e fiquei assustado como são decididas as leis desse país. Parece brincadeira, ninguém estudou com profundidade, por exemplo, essa concessão dada à região amazônica.”
Guilherme Afif Domingos, presidente da Associação Comercial de São Paulo, aprovou o fato de a MP dobrar para R$ 2,4 milhões de faturamento o limite para o enquadramento no Simples. “Na “MP do Bem”, o governo escolheu só alguns setores, e por isso nós a chamávamos de “MP do Bem Poucos”. Mas a micro e pequena empresa agora foi contemplada.”