Supremo analisa disputa sobre ITBI que afeta holdings e mercado imobiliário
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Consultor Jurídico
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário nº 1.495.108 (Tema 1.348), que trata da imunidade do ITBI nas operações de integralização de capital com bens imóveis, mesmo em empresas com atividade preponderante imobiliária. O tema é especialmente relevante para empresas do setor imobiliário, holdings patrimoniais e empresários que utilizam imóveis como instrumento de capitalização societária.
O artigo 156, § 2º, inciso I, da Constituição de 1988 prevê:
“I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”
Essa imunidade tem gerado diferentes interpretações, criando um ambiente de incerteza que o STF agora tenta resolver com o julgamento do Tema 1.348. Em suma, a discussão definirá se a imunidade permanece válida quando a integralização de capital ocorrer em empresas com atividade preponderante imobiliária.
No leading case que motivou o julgamento do STF, a empresa impetrante, que atua no ramo imobiliário, sustenta que a imunidade prevista para integralização de capital é incondicionada, ou seja, não depende da atividade econômica exercida pela pessoa jurídica.
A tese do contribuinte se apoia no julgamento do Tema 796 do STF (RE 796.376/SC), indicando que esse precedente definiu que a imunidade se aplica inclusive às empresas cuja atividade preponderante é a imobiliária, desde que a operação se limite à integralização do capital subscrito.
Além disso, interpreta o contribuinte que o Tema 796 teria consolidado a ideia de que a exceção constitucional se aplica apenas às transmissões resultantes de fusão, cisão, incorporação ou extinção de pessoa jurídica, não podendo alcançar as operações de mera integralização de capital. Outro ponto central é que o artigo 37 do Código Tributário Nacional, ao impor restrição à imunidade, não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e não pode, portanto, limitar um direito assegurado no texto constitucional.
A distinção entre a imunidade incondicionada (integralização de capital) e a condicionada (operações societárias como fusão, cisão ou incorporação) está no centro da controvérsia.
Resumidamente, a interpretação do leading case é a de que o Tema 796 do STF dividiu em duas partes a imunidade do artigo 156, § 2º, inciso I, da CF/88. A primeira imunidade tributária, de caráter incondicionado, resulta na não incidência do ITBI sobre a integralização de capital por meio de imóveis, realizada por pessoas jurídicas que atuem em qualquer segmento econômico, inclusive aquelas com atividades preponderantemente imobiliárias.
Essa interpretação decorre da primeira parte do inciso I do § 2º, que afirma expressamente que não incide o imposto sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital.
A segunda imunidade tributária, de caráter condicionado, abrange a transferência de imóveis decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de personalidade jurídica, não se aplicando quando a empresa envolvida tiver atividade preponderantemente imobiliária. Essa parte decorre da redação final do dispositivo, que ressalta a não incidência apenas quando a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda de bens, a locação de imóveis ou o arrendamento mercantil.
Portanto, o julgamento do Tema 1.348 é de fundamental importância para quem pretende integrar o capital social de empresas utilizando imóveis, mesmo quando se trata de companhias ligadas ao setor imobiliário.
O entendimento atual da maioria dos tribunais de segunda instância é o de que, quando a empresa possui atividade preponderante imobiliária, a imunidade não se aplica, o que tem levado muitos contribuintes a recolher o ITBI em situações de integralização de capital.
Entretanto, o Tema 1.348 abre espaço para a revisão desse posicionamento, trazendo novas oportunidades inclusive para aqueles que já efetuaram o recolhimento, seja para discutir a repetição do indébito, seja para pleitear a modulação de efeitos em caso de julgamento favorável aos municípios.
Divisor de águas
Os impactos da decisão, contudo, vão além da esfera tributária imediata. Se o STF consolidou o entendimento de que a imunidade é incondicionada, independentemente da atividade da empresa, haverá estímulo ao uso de imóveis como aporte de capital em holdings familiares e patrimoniais, facilitando planejamentos sucessórios, reorganizações societárias e novas formas de capitalização. Tal interpretação reforçaria a função das imunidades como garantias constitucionais destinadas a incentivar a livre iniciativa e reduzir entraves econômicos.
Em um cenário atual, os contribuintes optam muitas vezes por duas estruturas societárias diferentes, visando a aplicação da imunidade ou não, com a decisão favorável no Tema, poderiam optar por apenas uma.
Caso prevaleça a interpretação restritiva, o cenário atual tende a ser mantido, de modo que as empresas do ramo imobiliário continuarão obrigadas ao recolhimento do ITBI.
O julgamento também envolve questões de segurança jurídica e da própria hierarquia das normas tributárias. Isso porque o Ieading case requer o reconhecimento de imunidade constitucional deve prevalecer sobre restrições infraconstitucionais ou interpretações restritivas dos entes municipais, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária.
Não se trata apenas de uma disputa sobre arrecadação, mas da definição dos limites entre a competência dos municípios e a proteção conferida pela Constituição. É por isso que o julgamento do Tema 1.348 é acompanhado de perto não apenas por contribuintes, mas também por gestores públicos e tributaristas, conscientes de que qualquer mudança jurisprudencial pode impactar significativamente tanto os cofres municipais quanto o ambiente de negócios no país.
O julgamento do STF no Tema 1.348 transcende a discussão técnica sobre a incidência do ITBI em operações de integralização de capital. Trata-se de um momento em que o Supremo definirá o alcance real de uma imunidade constitucional, testando sua compatibilidade com as necessidades de arrecadação dos municípios e com o princípio maior da segurança jurídica.
Para empresários, investidores e planejadores patrimoniais, o desfecho representará um divisor de águas, capaz de redefinir a forma como os imóveis são utilizados em estratégias societárias no Brasil. Mais do que um debate tributário, está em jogo a coerência do sistema constitucional, o respeito às imunidades como cláusulas de proteção da livre iniciativa e a previsibilidade necessária ao desenvolvimento econômico sustentável.

