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Segundo mandato promete flexibilização na área fiscal

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SÃO PAULO – Em sua busca para acelerar o crescimento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dá sinais claros de que não vai seguir o receituário econômico mais ortodoxo no segundo mandato. Com o anúncio do aumento do salário mínimo acima da inflação em 2007 e a intenção já divulgada de deduzir investimentos em infra-estrutura da meta de superávit primário, o governo mostra que está disposto a promover alguma flexibilização da política fiscal. Vista com preocupação pelos economistas liberais, essa inflexão na política econômica é comemorada pelos analistas heterodoxos.

A expectativa de que o governo tentaria controlar a expansão dos gastos correntes a partir de 2007 caiu por terra depois do anúncio do reajuste do salário mínimo de R$ 350 para R$ 380. O aumento tem um impacto muito forte sobre as contas da previdência, já que dois terços dos 24 milhões de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) são vinculados ao piso salarial. Somadas às despesas para o ano que vem já contratadas em 2006 – como o próprio aumento do mínimo neste ano e a elevação dos vencimentos dos servidores públicos -, a medida deverá fazer os gastos correntes crescerem a um ritmo bem superior ao do PIB, o que é visto com desconforto por economistas ortodoxos como o ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman, economista-chefe do ABN AMRO para a América Latina.

Com gastos correntes em alta, não há espaço para redução da carga tributária, atualmente um dos grandes obstáculos para o crescimento mais forte da economia, segundo Schwartsman. Para ele, despesas públicas crescentes têm ainda outro problema: impedem uma diminuição mais rápida dos juros, já que o governo coloca mais lenha na fogueira na demanda, tomando espaço do consumo e do investimento privado.

” Do ponto de vista fiscal, o correto seria cortar gasto corrente, para o governo poder reduzir a carga tributária e aumentar o investimento ” , comenta o especialista em contas públicas Raul Velloso.

Já o consultor Amir Khair aplaude a decisão do governo de reajustar o salário mínimo acima da inflação. ” Além de ser importante para a redistribuição de renda, o salário mínimo é um indutor do crescimento, por estimular o consumo ” , afirma ele, para quem o aumento da demanda impulsiona o investimento privado. ” Isso tem um efeito multiplicador sobre a economia que muitos analistas não levam em consideração. ”

Para aumentar os investimentos em infra-estrutura em 2007, o governo planeja elevar os recursos do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) de 0,2% a 0,5% do PIB no ano que vem e descontá-los da meta fiscal. Se esse percentual for utilizado integralmente, o superávit primário em 2007 ficará em 3,75% do PIB, abaixo da meta de 4,25% do PIB. Schwartsman e Velloso não vêem a medida com bons olhos, por entender que um superávit menor reduziria a velocidade de queda da relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB, um importante indicador de saúde fiscal de um país.

Os dois também lamentam o fato de que o governo não vai tentar nenhuma mudança que atacariam problemas estruturais das contas públicas, como a instituição da idade mínima para a aposentadoria no INSS ou a desvinculação do salário mínimo dos benefícios previdenciários. São medidas polêmicas, que só teriam possibilidades de aprovação no primeiro ano de governo, quando o presidente tem capital político elevado. Lula já deixou claro, porém, que elas não fazem parte de sua agenda.

Para o ex-ministro Edward Amadeo, sócio da Gávea Investimentos, a elevação do PPI tem por trás a idéia de que o setor público deve ser o carro-chefe do crescimento, o que lhe parece uma concepção ultrapassada. Amadeo nota que não fazem parte da agenda do governo medidas para melhorar o clima de investimento privado no país. Propostas como reduzir as incertezas regulatórias, desenvolver o mercado de capitais e tornar mais fácil abrir e fechar empresas, por exemplo, não estão no script do segundo mandato. ” Isso é uma mensagem ruim. ”

O professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, por sua vez, aplaude a iniciativa de elevar os recursos do PPI e abatê-los da meta de superávit primário. Para ele, a presença do Estado no investimento em infra-estrutura é fundamental, porque muitas vezes envolvem projetos com risco econômico alto e prazo de maturação elevado, como no setor de energia elétrica Carneiro não vê problemas na redução do superávit. Com a expectativa de continuidade da queda da Selic, os gastos do governo com os juros da dívida pública serão menores, nota ele, acrescentando que isso abre espaço para o setor público investir mais.

Com a Selic mais baixa, é possível manter constante o déficit nominal (o resultado das contas públicas incluindo as despesas com juros) mesmo com um superávit menor. Para Carneiro, isso não é motivo para preocupação quanto à dinâmica da dívida pública. Como juros menores e investimentos públicos maiores acelerariam a expansão da economia, o endividamento do setor público encolheria em relação ao PIB, diz o economista. ” Isso seria um ajuste fiscal dinâmico. ”

Khair vai na mesma linha, e apóia a iniciativa de elevação dos gastos com o PPI. Para ele, crescimento mais forte e juros bem mais baixos- combinação que ele acha possível vigorar a partir de 2007- são os melhores caminhos para resolver o nó fiscal do país. ” Houve uma mudança para melhor na política econômica ” , diz ele, otimista quanto à possibilidade de o país crescer mais de 4% no ano que vem.

Mesmo analistas mais ortodoxos como Amadeo esperam uma aceleração do crescimento no que vem em relação aos menos de 3% esperados para 2006. O ex-ministro considera possível uma expansão do PIB entre 3,5% em 4% em 2007, amparada principalmente na expectativa de continuidade de queda dos juros reais, do aumento da massa salarial e da oferta de crédito ainda farta. O eventual aumento do PPI e o reajuste do salário mínimo também podem ter um impacto positivo sobre a demanda no curto prazo, afirma Amadeo. O problema, segundo ele, é que os aumentos significativos de gastos correntes e a ausência de propostas para a melhora do ambiente de investimentos não indicam um cenário favorável para o crescimento potencial do país.

Raul Velloso, por sua vez, manifesta uma preocupação de curto prazo em relação à política fiscal: com a perspectiva de forte elevação das despesas correntes ao mesmo tempo em que o governo promete isenções tributárias para estimular o investimento, o comportamento do superávit primário em 2007 é uma incógnita. Há certeza de que os gastos vão subir, mas são muitas as dúvidas quanto ao impacto dessas isenções sobre as receitas, que subiram com força nos últimos anos. ” Os sinais no front fiscal não são bons ” , resume Velloso.

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