Regras de Pis e Cofins ainda confundem
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Marta Watanabe
Após três anos da implantação da chamada não-cumulatividade do PIS e da Cofins, a mudança tributária mais importante do governo Lula, a legislação sobre o assunto não está consolidada. Somente nos últimos 12 meses, 31 atos legais – quase três ao mês – foram editados para definir questões ligadas ao cálculo dos dois tributos. Entre novas leis, decretos, instruções normativas e atos declaratórios, existem ainda inúmeras dúvidas sobre o que se pode usar como crédito das duas contribuições.
A IOB Thompson, que fez o levantamento dos atos normativos, recebe de três mil a quatro mil consultas por telefone ao dia na área de tributação federal, diz que 60% a 70% das demandas são sobre o PIS e a Cofins. “Esse número só tem aumentado desde 2003. As dúvidas são cada vez maiores porque as alterações não pararam”, diz o coordenador da área de Imposto de Renda da IOB, Ivo Ribeiro Viana.
As dúvidas também se refletem nas consultas feitas à Receita Federal. Sobre o assunto “PIS”, as consultas saltaram de 308 em 2003 para 789 em 2004. Ficaram em 528 em 2005. O levantamento parcial até 30 de junho de 2006 mostra que as demandas continuam altas como no ano passado. Foram 263 no primeiro semestre. A Cofins teve apenas 18 consultas em 2003, que pularam para 120 em 2004 e 269 em 2005. No primeiro semestre de 2006, foram 74 demandas.
A não-cumulatividade do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) começou a ser implantada em fevereiro de 2003. No ano seguinte, a alteração chegou à Cofins. Apesar de ter sido um pleito antigo das empresas, a mudança foi alvo de críticas assim que entrou em vigor.
Uma das maiores queixas foi o aumento de alíquota com a transição para o sistema não-cumulativo. Antes, o PIS e a Cofins eram cobrados a um total de 3,65%. No sistema não-cumulativo, os tributos passaram a 9,25%. Em troca do aumento de alíquotas, as empresas passaram a poder descontar do PIS e da Cofins devidos os créditos calculados na compra de insumos. A tributação de PIS/Cofins sobre as importações, também a partir de 2004, aumentou ainda mais as discussões.
Outro alvo de reclamações foram exatamente as possibilidades de crédito. Nem todas as aquisições das empresas passaram a dar redução de PIS/Cofins.
Ironicamente houve pedidos de vários segmentos para voltar ao cálculo cumulativo. Os setores dessa “exceção” se ampliaram. Hoje, segundo um levantamento da GV, cerca de 40% do PIS e da Cofins recolhido pela Receita Federal são pagos no sistema antigo. Ou seja, no cálculo cumulativo. Além de empresas em maior número, como as micro e pequenas empresas e as que pagam IR pelo lucro presumido, as exceções abarcam também segmentos importantes economicamente, como o automotivo, o da produção de petróleo e a indústria farmacêutica. Os três últimos segmentos seguem o não-cumulativo, mas com alíquotas próprias e recolhimento concentrado numa determinada etapa de produção.
No Judiciário, as discussões suscitadas pela não-cumulatividade também estão sem definição. Uma das questões é exatamente a diferenciação de sistema de tributação criada para as duas contribuições. Não há consenso sobre o assunto nem mesmo na primeira instância, onde começam a sair as primeiras decisões de mérito. “Muitas questões estão apenas em análise de liminares”, diz o advogado Júlio de Oliveira, do Machado Associados, escritório no qual o cálculo do PIS e da Cofins ainda é assunto que lidera as consultas da área tributária.
Também na Justiça as discussões tendem somente a aumentar. “A mudança foi feita deixando várias lacunas não-resolvidas. Todas as alterações que vieram depois mantiveram vícios de origem”, diz o advogado Lawrence Tancredo, da Tancredo Advogados Associados. “A cada novo ato normativo, aparecem novas controvérsias”, diz Ivo Viana, da IOB. Ele dá como exemplo um dos atos mais recentes, que estabelece um crédito presumido para operações de agronegócio.
A norma do setor foi editada há cerca de um mês, mas já gera controvérsias, segundo Viana. “Ela cria diferenciações dependendo de quem vende e quem compra o produto.” As cooperativas, por exemplo, que compram de pessoas físicas e vendem às indústrias têm suspensão de PIS/Cofins e não poderão aproveitar o crédito presumido. “Isso seria justo à primeira vista, mas cria uma diferenciação se comparada a de uma empresa exportadora, que também está livre das contribuições na venda ao exterior, mas poderá aproveitar o crédito presumido.”
Para Viana, a questão também mostra o grau de segmentação a que chegaram as contribuições. “São dois tributos federais que passaram a ter discussões tão setorizadas quanto o ICMS.” A própria contabilização do PIS e da Cofins não-cumulativos pelas empresas ainda é alvo de divergência.
Contadores e advogados discutem sobre a natureza das contribuições pagas: se devem ser tratadas como custo ou como uma espécie de incentivo fiscal.
A questão repercute em outros tributos. Caso a segunda definição prospere, as duas contribuições podem ser abatidas do Imposto de Renda.