Proibição da venda de armas é rejeitada por dois terços
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BRASÍLIA (Reuters) – A proibição do comércio de armas de fogo e munição no Brasil foi rejeitada por quase dois terços dos eleitores, em referendo realizado neste domingo, de acordo com resultados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com o resultado, continuam em vigor todas as demais disposições do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826), promulgado em 23 de dezembro de 2003, que já restringe a posse e uso de armas de fogo às corporações militares e policiais, empresas de segurança, desportistas, caçadores e pessoas autorizadas apenas pela Polícia Federal.
A derrota da proibição do comércio de armas e munições confirma reviravolta na opinião pública, apontada pelos institutos de pesquisa ao longo da campanha, que durou vinte dias em horário obrigatório na televisão e no rádio.
Em agosto, segundo o Datafolha, 80% dos entrevistados apoiavam a proibição. Na pesquisa divulgada sábado, o voto “não” já contava com 57%, estimativa superada pelo resultado final.
O “não” venceu em todos os Estados, com destaque para Rio Grande do Sul, Acre e Roraima, onde a opção recebeu cerca de 87% dos votos. O melhor desempenho do “sim” foi em Pernambuco e no Ceará, com pouco mais de 45% dos votos.
Mesmo restrito ao aspecto do comércio legal de armas e munições, o primeiro referendo legislativo da história do Brasil mobilizou o eleitorado. De acordo com o TSE, a abstenção foi de pouco mais de 21% dos 123 milhões de eleitores registrados.
Esse número é semelhante ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2002, quando 20,45% dos eleitores deixaram de votar. No segundo turno de 1989, que teve comparecimento recorde, a abstenção foi de 14,09%.
Em 1993, no plebiscito sobre sistema e regime de governo, a abstenção chegou a 25,76%. Na escolha entre monarquia ou república, presidencialismo ou parlamentarismo, 15% dos que compareceram anularam ou deixaram o voto em branco. No referendo deste domingo, com a utilização de urnas eletrônicas, nulos e brancos foram cerca de 3%.
O presidente do TSE, ministro Carlos Velloso, comemorou a realização do referendo com tranqüilidade e defendeu que outras consultas populares podem acontecer. Como exemplo, ele citou a discussão sobre a legalização do aborto de fetos com anencefalia (sem cérebro).
“Essa é uma questão importantíssima agora, como tantas outras que o país tem”, afirmou neste domingo Velloso durante entrevista coletiva.
Lula vota
Declarando sua opção pelo “sim”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva votou na manhã deste domingo em São Bernardo do Campo, na região da Grande São Paulo.
“Eu acho que uma pessoa comum ter armas não vai dar segurança, por isso eu votei no sim. Agora, a vontade do povo é soberana”, afirmou Lula a jornalistas. À noite, no parque de exposições do Anhembi, em São Paulo, voltou a defender a proibição, mas disse que cumpriria o resultado das urnas.
Embora tenha sido mínima a participação de dirigentes políticos na campanha sobre a proibição, a vitória do “não” será debitada como um fracasso do governo Lula, que se identificou com a proibição. A Igreja Católica e várias denominações evangélicas também se engajaram na campanha do “sim.”
É também uma derrota do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que presidiu a frente parlamentar do “sim” e defende a proibição de armas de fogo desde quando foi ministro da Justiça, no governo Fernando Henrique Cardoso.
Depois de votar à tarde em São Paulo, o atual ministro da Justiça, Márcio Tomaz Bastos, já se preparava para reconhecer a derrota.
“O resultado sim significaria apenas aprofundamento, ou seja, seria proibido vender armas e vender munição. Se der o não, nós vamos continuar da mesma maneira fiscalizando rigorosamente, e o controle de armas vai continuar sendo um bem para o Brasil”, afirmou.
A frente parlamentar vitoriosa foi coordenada pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury (PTB) e pelo deputado Alberto Fraga (PFL-DF), coronel reformado da Polícia Militar. A frente do “não” centrou sua campanha no direito à autodefesa e na fragilidade da segurança pública.
“A discussão não é o desarmamento, é a proibição absoluta da venda de armas e munições para o cidadão de bem”, disse Fleury Filho (PTB-SP). “Seria desarmamento se todo mundo, inclusive os bandidos, se desarmasse.”
Estimativa do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e do Small Arms Survey 2005 mostrou que existem mais de 17 milhões de armas no país. Os números, porém, são contestados por muitos outros organismos.
Segundo o Ministério da Saúde, 39.325 pessoas foram mortas por tiros em 2003 –média de 108 por dia. A Secretaria de Segurança de São Paulo informa que em 2004 apenas 5% das vítimas de homicídio morreram em casos de latrocínio (morte seguida de roubo).