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Pólo de calçados vive crise sem precedentes

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ESTADO DE SÃO PAULO

Enquanto vizinhos ganham dinheiro com a febre do álcool, Franca busca alternativas ao real valorizado

Fernando Dantas

Devair Antonio Cintra, 31 anos, pespontador recém-demitido da HB, fabricante de calçados em Franca, lista as empresas do setor em que já trabalhou ao longo da sua carreira: Raito, Penha, Gilbershoes e Italishoe. “Todas fecharam”, acrescenta, com um sorriso meio irônico, meio amargo.

Segundo o Sindicato dos Sapateiros de Franca, essas empresas pararam de fabricar há vários anos e não podem ser consideradas vítimas da crise atual que se abate sobre o mercado de trabalho da cidade, provocada pela combinação do câmbio valorizado com a competição chinesa.

De qualquer forma, a carreira infeliz de Devair é sintomática do desalento que tomou conta do setor calçadista de Franca e cujo fato recente mais emblemático foi o fechamento da Samello, uma das duas maiores empresas de calçados de Franca (a outra é a HB). Atolada em dívidas e às voltas com crescentes dificuldades para exportar, a Samello demitiu quase todos os 2 mil funcionários, segundo fontes do setor, e entrou com um pedido de recuperação judicial no fim do ano passado.

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho mostram que a indústria calçadista em Franca, incluindo prestadores de serviços e fabricantes de partes para calçados, perdeu 1.440 postos de trabalho formais, em termos líquidos, entre abril de 2005 e abril de 2007, com queda de 27.794 para 26.354 postos. Como esta é uma indústria sazonal, com desaceleração da produção nos meses de verão, depois de despachadas as encomendas do fim do ano, as comparações têm de ser feitas entre os mesmos meses dos diversos anos.

O Caged mostra claramente os efeitos do câmbio nos empregos da indústria calçadista de Franca ao longo dos últimos anos. Entre abril de 2000 e o mesmo mês de 2004, quando o dólar valorizou-se de R$ 1,80 para R$ 2,90, o número de postos de trabalho formais subiu de 18.634 para 26.002. A indústria resistiu ao primeiro tranco da valorização do real e, em abril de 2005, quando o câmbio estava em R$ 2,50, os postos de trabalho haviam subido para o pico de 27.794 vagas. A partir daí, no entanto, iniciou-se a queda, à medida que o real se valorizava ainda mais, até bater em R$ 2,04 em abril de 2007 e agora já está em R$ 1,91.

Na HB, que fatura anualmente R$ 80 milhões e exporta US$ 20 milhões, o consultor Ronaldo Estephanelli explica que a estratégia de sobrevivência foi a transferência da maior parte da produção para Aracati, no Ceará. Hoje, da fabricação diária de 9 mil pares, 7,2 mil são produzidos na unidade cearense e 1,8 mil em Franca. Ao longo dos últimos anos, o quadro de mil funcionários em Franca foi reduzido pela metade, levando a demissões como a de Devair, ocorrida no início deste mês. Segundo Estephanelli, o salário médio pago pela HB em Franca está em torno de R$ 1.000, comparado com o salário mínimo de R$ 380 dos trabalhadores no Ceará.

Outro aspecto da estratégia da HB para contornar o câmbio valorizado – que não só prejudica as exportações da indústria calçadista, mas também ajuda os competidores internacionais no mercado interno – é buscar os mercados europeus, já que a valorização do real em relação ao euro é bem menor do que a registrada ante o dólar.

“O mercado europeu é a salvação para Franca”, diz o consultor. A outra parte da estratégia é buscar nichos de maior valor agregado, como as exportações para as marcas Hugo Boss e Betarello.

Na Kissol, empresa calçadista que exporta 99% dos seus produtos, a produção diária caiu de 4,4 mil pares, em março de 2006, para o nível atual de 3,3 mil. O número de funcionários foi reduzido de 850 para 580. “Estamos perdendo dinheiro, mas poderíamos chegar a um equilíbrio com um dólar a R$ 2,15”, diz o sócio-diretor Carlos Roberto de Paula.

Para os desempregados da indústria calçadista, a situação em Franca é desoladora, já que eles percebem que a indústria entrou em um beco sem saída. Devair, por exemplo, desentendeu-se com a mulher, separou-se e foi viver na casa da mãe depois que foi demitido, há menos de duas semanas. “Agora eu estou sem plano de saúde e sem desconto nas farmácias”, diz, preocupado com os dois filhos de cinco e nove anos. Seu salário na HB era de R$ 680.

A situação de José Batista Teles, 51 anos, é ainda pior, já que ele está desempregado há dois anos, desde que foi demitido da fabricante Spazio, onde ganhava R$ 600. Como seu último período empregado foi de apenas quatro meses, ele diz que não tem como conseguir o seguro-desemprego. “Estou vivendo da ajuda dos outros.”

O LADO DINÂMICO

Apesar dos problemas do setor calçadista, seria errado dizer que Franca está se afundando numa crise econômica de grandes proporções. A cidade, com 328 mil habitantes, é muito bem estruturada em termos socioeconômicos.

Segundo o secretário de Planejamento e Gestão Econômica, Sebastião Manoel Ananias, o município tem cobertura de 100% das residências em termos de abastecimento de água e de coleta de esgoto.e não tem favelas. Apesar da dificuldade de definição precisa do que é favelização e moradia informal, a informação de Ananias parece consistente com a realidade do município, pois é confirmada por vários habitantes.

Franca também tem setores industriais relevantes e é um pólo importante de produção de café de qualidade. Além disso, é um centro dinâmico de comércio e serviços, o que é confirmado pela chegada na cidade, há menos de um ano, das redes Carrefour e Wal-Mart.

A arrecadação municipal também vem crescendo em termos reais, mas Ananias frisa que isto se devea uma intensa campanha de auditorias e combate à sonegação. “Se não fosse por esse trabalho, seguramente a crise nos calçados nos teria pego de calças curtas”, afirma.

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