PIS e COFINS: Três enfoques hermenêuticos para compreensão do conceito de insumo para fins de escrituração dos créditos
Publicado em:
Edmar Oliveira Andrade Filho
A determinação dos valores suscetíveis de gerar créditos de PIS/PASEP e COFINS está envolta em sérias controvérsias desde o advento da Lei nº 10.637/02, que introduziu o regime não cumulativo de tributação para as contribuições incidentes sobre a receita. Neste pequeno estudo pretendo demonstrar que – até o momento – a matéria tem sido analisada por pelo menos três enfoques hermenêuticos aos quais faço referência no meu recente livro "Créditos de PIS e COFINS sobre Insumos", editado pela Prognose Editora, de São Paulo.
O primeiro enfoque é o da análise da matéria à luz das normas constitucionais. Esse modelo hermenêutico é problemático na medida em que se constata que a Constituição Federal não estabeleceu as balizas mínimas acerca do regime não cumulativo para as contribuições sociais incidentes sobre as receitas: assim, em razão dessa omissão, não há – no texto magno – um modelo que deva ser respeitado pelo legislador tanto que esse autor desconhece a existência de ações diretas de inconstitucionalidade acerca do tema que tenham sido ajuizadas perante a Suprema Corte. De qualquer modo, se imaginarmos que a Constituição autoriza a edição de lei que institua contribuição sobre a receita, parece claro que o texto magno indica – pelo menos – que o modelo de não cumulatividade deve guardar certa congruência com o fato gerador possível das contribuições, que é a obtenção de receita. Por essa perspectiva, o texto constitucional estaria a indicar que deveriam gerar direito ao crédito os insumos necessários e imprescindíveis para obtenção da receita tributável, o que levaria, em certas circunstâncias, a uma igualdade com a base de cálculo da CSLL. Todavia, a adoção desse enfoque hermenêutico, na prática, está inviabilizada em face da eficácia do princípio segundo o qual o Poder Judiciário não pode agir como legislador positivo para alargar o campo de aplicação de uma lei em certas circunstâncias.
O segundo enfoque hermenêutico é o que denomino "regulamentar" e que pode ser encontrado nas incontáveis Soluções de Consulta que são diariamente publicadas. As autoridades fiscais encarregadas de responder às indagações dos contribuintes estão enredadas por normas regulamentares cuja inspiração filosófica é a legislação do IPI: de facto, o modelo legislativo regulamentar do IPI foi praticamente enxertado na regulamentação das leis que tratam do PIS e da COFINS. A título de exemplo, vejamos o enunciado do artigo 5º da Instrução Normativa nº 247/02, que diz textualmente que somente são considerados como insumos as matérias primas, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado. Ora, esse é um enunciado formado pela conjugação dos termos do Parecer Normativo CST nº 65/79 e pelo artigo 164 do RIPI, aprovado pelo Decreto nº 4.544/02. O enxerto é altamente problemático porque a matéria tributável pelas contribuições devidas ao PIS/PASEP e COFINS não guardam estrita pertinência com o fato gerador do IPI e, ademais, as leis pertinentes não têm a mesma redação.
O terceiro enfoque hermenêutico é que denomino "legal" porque tem ponto de partida o texto da lei. Parece-me (e este é o fio condutor da tese que adoto no meu livro acima citado) que ao restringir o direito de crédito aos insumos que se integrem fisicamente ao produto ou que percam as propriedades físicas e químicas em contato com esse produto, as normas editadas pela Receita Federal do Brasil vulneram a Lei, assim como todas as Soluções de Consulta que se baseiam em tais normas regulamentares. A Lei estabelece um critério de certo modo objetivo para qualificar os insumos suscetíveis de gerar crédito: esse critério está ancorado na significação corrente da palavra "utilizados", de modo que o direito ao crédito – de acordo com o texto legal – abrange todo e qualquer insumo "utilizado" no processo de produção, fabricação ou prestação de serviços. Ora, o vocábulo "utilizado" é ordinariamente adotado para fazer referência a algo que foi usado, empregado, aplicado, gasto, adotado, tornado útil, proveitoso, que teve valia ou que serviu para alguma finalidade. Portanto, o direito de crédito, no enfoque legal, deriva de todo e qualquer insumo que tenha sido utilizado no processo de fabricação, produção e prestação de serviços: afinal, a Lei "fala" em utilização do insumo e não de sua integração ao produto final. Assim, em tom de chalaça eu digo: o nome do jogo é "utilizado".