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Os espiões da Receita

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Como operam os 180 agentes secretos do Leão treinados pela polícia para se infiltrar nas empresas e buscar provas contra os sonegadores

Por adriana nicacio

SAS, quadra 6, prédio do Ministério da Fazenda. Esse típico endereço de Brasília guarda o serviço secreto da Receita Federal. Isso mesmo. Na entrada do 5º andar, uma placa indica: Coordenação de Pesquisa e Investigação (Copei). A aparência é de uma repartição pública como qualquer outra, mas a missão dos que ali trabalham é de alto risco. E os relatórios, mapas e quadros para todos os lados indicam que não falta trabalho. Há 60 investigações em curso e estão previstas cerca de 150 prisões até o final do ano. Nos últimos três anos e meio, 580 pessoas já foram detidas em operações da inteligência da Receita em conjunto com a Polícia Federal e o Ministério Público. “É um trabalho delicado e arriscado”, explica Gerson Schaan, coordenador-geral de Pesquisa e Investigação (Copei), o único agente que se identifica. A Copei tem 10 escritórios em cada região fiscal, além de Manaus, Vitória, Foz do Iguaçu e Santos, onde há atividades portuárias. Para operá-los, o Leão tem seu próprio time de agentes treinados pela tradicional Escola de Inteligência do Exército e pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Nenhum deles trabalha na cidade onde mora. Esses profissionais aprendem técnicas de entrevista, táticas de espionagem e disfarce. São 133 servidores concursados da Receita e preparados para observar, seguir e espreitar sonegadores e fraudadores do Fisco. Outros 38 investigadores estão em treinamento, e seguirão em breve para um curso sobre fraudes financeiras no Criminal Investigation Division, na Receita Federal dos Estados Unidos.

O que define essa coordenação específica da Receita Federal é o treinamento das pessoas envolvidas em espionagem. Na última seleção, por exemplo, foram abertas 40 vagas, mas apenas 38 foram preenchidas. Os candidatos passam por um pente-fino – são vetados aqueles com pouca experiência no órgão, com biótipo que chama a atenção ou algum sinal de vaidade. Explicação: uma pessoa que tem muita necessidade de aparecer pode colocar todo o resto em risco. No final da investigação, diz Schaan, o agente não pode sair falando: “Fui eu quem ajudou!” A regra básica é discrição. Os que passam pela peneira seguem, então, para a entrevista com o próprio Schaan. Essa é a etapa mais delicada, porque poucos passam. Para os aprovados, o treinamento é de duas semanas na Escola de Inteligência do Exército e outras duas na Abin. Lá, eles aprendem de tudo. A trabalhar disfarçado, criar um personagem e uma história de vida bem realista e perguntar com discrição – sem o tom de interrogatório – até extrair as informações necessárias. Em seguida aprendem a analisar o material que conseguiram. Os agentes secretos também fazem curso de espionagem e contra-espionagem. Recebem aulas práticas e aprendem a manter o foco e a usar as tecnologias da informação.

Durante uma operação contra a pirataria, por exemplo, um agente secreto se disfarça de camelô e procura interagir rapidamente com os sacoleiros para descobrir seus fornecedores. O contato é feito sem muitas perguntas e com discrição total. A confiança nasce em pouco tempo e logo é possível caminhar pela espinha dorsal do esquema e chegar ao nome do empresário-responsável. Eis o alvo. Identificado o homem-chave das negociatas, os fiscais começam um novo trabalho de espionagem, evitando ao máximo o contato direto com o investigado. A barba malfeita e o corpo mal vestido dão lugar ao rosto liso e ao terno bem cortado. Ele se aproxima, então, dos amigos, freqüenta os mesmos lugares e procura desvendar a rede de produção e distribuição. Mapeada a fraude, o trabalho é entregue à Polícia Federal. Há exatos 10 anos a Receita Federal faz esse trabalho em busca de sonegação e fraudes. O único rosto a aparecer é o de Schaan, chefe dos espiões. Pelo cargo que ocupa ele já se considera um ex-agente. Perdeu o contato direto com os antigos colegas e, por segurança, os contatos com ele são feitos pelo sistema interno de e-mail, o Lotus Note. Raríssimas vezes se fala ao telefone. Em 2005, os agentes participaram de sete ações com a PF e, neste ano, de outras oito. Eles estão por trás da Operação Narciso – que fez apreensões na butique de luxo Daslu – da Operação Cevada – que prendeu os donos da Schincariol – e da Operação Hidra, uma das maiores já realizadas pela Polícia Federal, contra uma quadrilha que trazia contrabando do Paraguai. As investigações dos agentes da Receita podem se iniciar a pedido da Polícia Federal ou do Ministério Público. Mas começam também a partir de denúncias anônimas ou de notas de jornais que levantem suspeitas. Fotografias de um belo carro e de uma casa luxuosa podem ser sinais exteriores de riqueza incompatíveis com a renda do cidadão. Na Operação Esfinge, por exemplo, que culminou com a prisão de 19 pessoas em fevereiro deste ano, a Receita Federal descobriu irregularidades nas importações de 300 empresas, a partir de uma denúncia. Com a investigação, os agentes descobriram que em seis meses elas haviam importado cerca de US$ 14 milhões de forma fraudulenta. Havia subfaturamento de mercadorias, descaminho e lavagem de dinheiro. Ou seja, um prato cheio para a ação dos arapongas da Receita Federal.