O Supremo e os impostos
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A última semana assistiu a uma importante decisão do Supremo Tribunal Federal — STF com relação aos tributos do PIS e Cofins. A União Federal foi derrotada no seu entendimento de que o aumento da base de cálculo de ambos os tributos promovida em 1998 por lei ordinária seria constitucional. O órgão máximo do Poder Judiciário, ao contrário, interpretou que tal aumento foi contrário ao texto constitucional então vigente. Como se sabe, o Poder Judiciário detém a competência exclusiva para interpretar a legislação. Uma decisão final do STF com relação à inconstitucionalidade de uma lei tem por conseqüência a retirada desse mandamento do mundo jurídico. Ou, em outras palavras, é como se a lei jamais tivesse existido. A questão, no caso em que estamos tratando, é relativamente simples. A Constituição de 1988, ao regular a competência tributária da União Federal para instituir o PIS e a Cofins, na sua versão original, referiu-se à “faturamento”, como sendo a sua base de cálculo.
Ainda que o termo não seja técnico, do ângulo do direito, entendeu-se que seu significado era o de conter a denotação de “venda de bens e serviços” compreendidos no objeto social das empresas. O legislador constituinte, diga-se de passagem, não está obrigado ao emprego de termos técnico-jurídicos, nem tampouco o legislador ordinário. Cabe ao Poder Judiciário, e nele, em último grau, ao STF, interpretar o que os termos querem dizer.
Ainda sob a égide da Constituição de 1988 em seu fraseado inicial, foi editada a Lei 9.718/98 que ampliou o conceito de “faturamento” para abranger toda e qualquer receita das empresas. Ou seja, além das provenientes da “venda de bens e serviços” as outras foram incluídas (entre elas, receitas financeiras, aluguéis, alienação de bens do ativo, etc). O plenário do STF, por maioria de votos, entendeu que esse aumento da base de cálculo do PIS e da Cofins instituído pela Lei 9.718/1998 é inconstitucional. Pouco tempo depois da Lei 9.718/1998, foi editada a Emenda Constitucional 20/1998, que ampliou a base de cálculo. Essa tentativa tardia de validar a Lei 9.718, foi considerada insuficiente. O que importa, decidiu o STF, é o momento em que a lei foi editada.
Esse é um aspecto muito relevante. Alterações constitucionais posteriores da Constituição não têm o condão de tornar constitucionais leis que não o são no momento de sua edição. Nem poderia ser diferente diante do princípio jurídico da hierarquia das leis, segundo o qual em primeiro lugar vem a Constituição e depois as leis, complementares e ordinárias. Decidir de maneira diferente nesse caso implicaria negar a vigência a esse princípio basilar do direito.
Importante ressaltar as conseqüências da decisão para as empresas. Para aquelas que estão no regime não cumulativo das contribuições (em geral, as que optaram pelo lucro real) poderá ser pleiteada a inconstitucionalidade do aumento da base de cálculo somente para o período compreendido entre fevereiro de 1999 e novembro de 2002 para o PIS e fevereiro de 1999 a janeiro de 2004 para a Cofins. Isso porque em 2002 e 2003 foram editadas leis ampliando a base de cálculo das contribuições, já em consonância com a nova redação da Constituição dada pela Emenda Constitucional 20/1995. Para as empresas que estão no regime cumulativo das contribuições (em geral, as que optaram pelo lucro presumido) a inconstitucionalidade permanece, pois não existe nenhuma lei posterior regulamentando o assunto
Depois da decisão, membros da Advocacia Geral da União declararam segundo a mídia que os efeitos para a receita não eram muito relevantes diante do fato de que a maioria dos contribuintes já vinha discutindo a questão em juízo e depositando o tributo. Realmente grande número de empresas tomou essa atitude.
Todavia, para os contribuintes que ainda não ajuizaram suas ações as providências devem ser tomadas o mais rápido possível. A Lei Complementar 118/2005 determinou o prazo de cinco anos para restituir tributos pagos a maior, o que, no caso, já excluiria 1999 e grande parte dos meses de 2000. Por último importante frisar que a decisão do STF restringe-se ao caso que a ele foi levado. Em cada processo existente deve-se seguir o seu trâmite regular até o seu fim. O que acontece é que a União não terá a chance de revertê-los a seu favor, pois em última instância o STF os julgará de conformidade com esse seu entendimento, agora já firmado.
O autor é professor de Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) e sócio do escritório Albino Advogados Associados. É presidente do Instituto de Estudos Jurídicos e Econômicos (Ieje). E-mail: [email protected]