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O carisma dos petrodólares

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Diplomacia de vender óleo a preço baixo para latinos reforça influência de Chávez na reunião de estadistas do continente

JOSEPH CONTRERAS

Newsweek

BUENOS AIRES – Rico com os petrodólares e fortalecido pelo apoio de cidadãos pobres da região, Hugo Chávez teve êxito em redefinir o debate na América Latina.

Há duas semanas, num armazém em La Boca, bairro da classe operária de Buenos Aires, jovens argentinos dançavam em um show da banda folk venezuelana Mestizo. Nos casacos dos músicos, a logomarca do Ministério de Energia e Petróleo da Venezuela. As paredes foram adornadas com cartazes onde se lia a construção do socialismo do século 21.

Mestizo encerrava sua turnê – que passou por oito países na América do Sul – financiada pelos petrodólares do presidente venezuelano para promover sua agenda pró-Cuba, anticapitalista, anti-Bush.

– Com o dinheiro do petróleo, Chávez está promovendo uma reforma social que a Venezuela nunca teve. É fantástico – gritou o jovem Martin Zelaya.
Essas palavras soariam como uma música para os ouvidos do presidente de 51 anos, que nos últimos meses percorreu a América Latina.

Sua ofensiva pela diplomacia do petróleo teve sucesso. Em setembro, o Venezuelano assinou pactos comerciais com nove governos caribenhos, que serão abastecidos a baixo custo por 25 anos.

Fortalecido por uma fraca oposição interna, Chávez está no auge do poder e espera-se que seja o centro das atenções da IV Cúpula das Américas, esta semana – dias 4 e 5 -, em Mar del Plata, na Argentina.

– Há movimentos na América Latina que olham para ele como modelo e também como fonte de financiamento – observa o ex-ministro das Relações Exteriores do México, Jorge Castañeda. – Chávez pode exercer uma enorme influência.

Tal possibilidade preocupa os Estados Unidos. Nos últimos cinco anos, desde que Bush chegou ao poder, eleitores em cinco países da América do Sul escolheram o caminho da esquerda para mostrar sua raiva e desilusão com as fracassadas políticas de livre comércio de Washington, abraçadas por líderes da região na década de 90.

Essa tendência aparece agora no México, onde o líder do esquerdista Partido da Revolução Democrática (PRD), Andres Manuel Lopez Obrador, goza de um índice confortável à frente das pesquisas de intenção de voto, no pleito de julho. O mesmo acontece na Bolívia, onde o líder cocaleiro Evo Morales está no mesmo patamar que o candidato de direita nas pesquisas de opinião para a corrida presidencial.

O quadro pode se estender ainda à Nicarágua, onde o sandinista e ex-presidente, Daniel Ortega, espera voltar ao poder em 2006, depois de um hiato de 16 anos. Chávez saboreia o prospecto.

– Daniel Ortega é um grande amigo. Evo Morales também; é outro grande cara – afirmou o venezuelano à Newsweek, em setembro. – A América Latina caminha para a esquerda e não para a direita. Estamos juntos no mesmo esforço revolucionário.

Desde que Fidel Castro começou a se relacionar com a União Soviética, na década de 60, os EUA não tinham enfrentado um antiamericanismo tão estridente na região. Em 2004, Chávez sobreviveu a um referendo que o tiraria de Miraflores – agora, seu poder só cresce.

Em maio, na última visita a Havana, o venezuelano se autoproclamou um socialista renovado. Em Caracas, adotou uma política doméstica mais radical desde o começo do ano.

Implantou reforma agrária e a criação de milhares de cooperativas rurais e urbanas, muitas sustentadas pelo governo. O presidente declarou guerra ao capitalismo e lançou a idéia de pagar os trabalhadores de forma não-tradicional.

– Ser rico é ruim – argumenta. A corrupção é produto do capitalismo.
Apesar do discurso socialista, Chávez parou de pedir o fim do setor privado da Venezuela. Exceto pelas altas taxas que empresas internacionais de petróleo têm de pagar, não há obstáculo para que atuem na Venezuela.

– Se temos um discurso antiimperialista aqui, por que estamos dando as boas-vindas ao diretor da Chevron Texaco? – divagou o professor universitário Elie Habalian.

A real influência de Chávez pode ser retórica. Ele não está prestes a mudar a política econômica de gigantes latinos como Argentina e Brasil, onde os presidentes Néstor Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva reanimaram suas economias, em parte, com políticas fiscais amistosas ao mercado.

Ainda assim, o venezuelano mostra habilidade em desafiar Washington e influencia seus amigos, como Morales e Noriega, a adotar essa campanha.

Se eleitos presidentes em seus países, devem reduzir a cooperação com Washington em questões como a guerra às drogas e levantar bandeira contra tratados de livre comércio apoiados por Washington que abranjam todo o Ocidente.

Além disso, os acordos do petróleo com governos do Caribe e demais países vão ser traduzidos em votos para Chávez em assuntos levados à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Mesmo Kirchner e Lula ficam constrangidos em criticar o autoritarismo do regime de Chávez, que empacotou o judiciário venezuelano com magistrados dóceis e decretou leis que restringem a liberdade de imprensa. Ao contrário: durante sua visita a Brasília em setembro, Chávez foi saudado por Lula como um paladino da democracia e um funcionário do governo Kirchner o agradeceu por ficar ao lado da Argentina nas horas difíceis.

Com os EUA, a questão é comercial, pois cerca de 15% das importações de petróleo do país vêm da Venezuela. Também por isso as autoridades de Washington ficam de olho no Comandante.

– Estamos preocupados co seus esforços em expandir sua influência além das fronteiras nacionais e de dar ajuda a grupos radicais, especialmente em países onde as instituições são fracas – disse um membro do Departamento de Estado, pedindo anonimato devido à sensibilidade da proximidade da Cúpula das Américas.

Talvez, o que deixa os EUA mais loucos é que Chávez tenha conseguido moldar a agenda política da América Latina de uma maneira impensável para a Casa Branca há alguns anos. Na pauta da cúpula, estão discussões sobre democracia e economia de mercado. Mas o fato é que nos discursos públicos vão dominar temas como pobreza e desigualdade social, e o quintal dos EUA vai bater na porta do Tio Sam para se lamentar. Chávez vai liderar as acusações.

– É o mais influente líder da América Latina hoje – afirma Michael Shifter, do grupo de pesquisa política Inter-American Dialogue, em Washington. – O que não significa que todo mundo seja chavista ou que queira copiar o modelo venezuelano.

Cada vez mais, entretanto, a região afina o discurso.

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