O artigo 120 da Lei das Sociedades Anônimas
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Por Felipe Kim e Diana Alcântara
Um dos temas mais atuais envolvendo governança corporativa é a pulverização ou difusão do controle societário nas empresas. A pulverização do capital, em detrimento ao controle centralizado, é um modelo de governança corporativa caracterizada pela extinção dos blocos de acionistas controladores, em um processo que confere maior importância à administração da empresa.
Como resultados claros para os investidores da pulverização do controle, destacam-se o aumento da liquidez nas ações, a mitigação do risco de abuso do poder de controle e a redução do custo de captação. E as companhias brasileiras já entram para o time das companhias com controle pulverizado existentes ao redor do mundo. Entre as companhias brasileiras com controle pulverizado hoje estão Lojas Renner, Embraer, Perdigão e Submarino, entre outras.
Durante o processo de pulverização do controle por meio da oferta de ações com direito a voto nas bolsas de valores, as empresas procuram oferecer garantias adicionais aos direitos já estabelecidos na lei, incluindo em seus estatutos, dentre outros, mecanismos de tag-along, isto é, direito dos acionistas minoritários de vender suas ações através de oferta pública do novo controlador, no caso de transferência de controle.
Em ocorrendo transferência de controle de companhia aberta que contemple em seus estatutos cláusula de tag-along para as hipóteses de alienação e de aquisição do controle da companhia, não poderá o novo controlador simplesmente descumprir a obrigação imposta pelo estatuto, sem que nenhuma medida de respaldo seja garantida aos minoritários que foram lesados por tal descumprimento. Na verdade, essa medida já existe na legislação há mais de 30 anos e poderá, agora, ter aplicação prática.
É o caso, destacadamente, do artigo 120 da Lei das Sociedades Anônimas – a Lei das S.A. -, que prevê a possibilidade de suspensão do exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto social, nos seguintes termos: “Artigo 120. A assembléia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação.”
Cumpre destacar que um eventual pronunciamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), neste caso, terá caráter meramente declaratório e não constitutivo. Isto é, o direito de suspensão revela-se existente desde o momento em que ocorre o descumprimento de obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto e não com a decisão, no mesmo sentido, proferida pela CVM.
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O dispositivo representa um instrumento de take-over hostil dos minoritários em relação ao novo controlador
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Companhias com controle pulverizado que contemplam em seus estatutos direito de tag-along aos minoritários podem reivindicar o cumprimento das disposições estatutárias em uma eventual operação de aquisição do controle da companhia em que o novo controlador tenha simplesmente passado por cima da regra de realização da oferta pública – direito suprimido dos acionistas minoritários. Com efeito, ao adquirir a condição de acionista da companhia, o novo controlador passa a arcar com deveres, ao lado dos direitos conferidos pela lei e pelo estatuto social.
Para obter a suspensão dos direitos do novo acionista controlador, é necessária a realização de uma assembléia-geral cuja convocação, na hipótese de inércia dos administradores, poderá ser feita por quaisquer acionistas que representem, pelo menos, 5% do capital social, quando os administradores não atenderem dentro de oito dias ao pedido de convocação devidamente fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas, nos termos do artigo 123, parágrafo único, alínea “c” da Lei de Sociedades Anônimas.
Nesta assembléia, o novo acionista controlador estaria impedido de votar em razão de evidente conflito de interesses (artigo 115, parágrafo 1º da Lei de Sociedades Anônimas). Ato contínuo, os acionistas minoritários poderiam substituir os administradores da companhia por novos, caracterizando a tomada de controle hostil, o chamado “hostile take-over”, com fundamento no artigo 120 da Lei das Sociedades Anônimas. A restauração do exercício de seus direitos de acionista controlador estará sujeita ao cumprimento das disposições previstas na lei ou no estatuto social violadas.
Pela interpretação do disposto no artigo 120 da Lei das Sociedades Anônimas, tem-se claro entendimento que haverá suspensão do exercício dos direitos daquele acionista que deixar de cumprir a obrigação imposta pelo estatuto ou pela lei, por deliberação da assembléia-geral, independentemente de ser acionista controlador ou não. A suspensão estará atrelada ao cumprimento da obrigação. Por isso, tão logo, cumprida disposição que o acionista tenha deixado de cumprir, estando ela estabelecida na lei ou no estatuto, cessam-se os efeitos da suspensão.
Instrumento bastante interessante, apesar de pouco utilizado, contido no artigo 120 da Lei das Sociedades Anônimas, representa, a nosso ver, um instrumento de take-over hostil dos minoritários em relação ao novo controlador. Talvez a expressão seja até excessivamente forte para o caso, mas a questão principal é que este dispositivo deverá passar a adquirir relevância no cenário que se aproxima.