Nova ofensiva da Receita
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As cinco mais importantes entidades representativas de firmas de serviços contábeis e de escritórios de assessoria e perícia fiscal do País divulgaram uma contundente nota de protesto contra a mais nova ofensiva da Receita Federal para saciar seu insaciável apetite fiscal. Trata-se do envio, pelo correio, de autos de infração para 75 mil empresas de pequeno, médio e grande portes. Como foram autuadas sem aviso prévio, diz a nota, elas não puderam se defender, o que viola os princípios do devido processo legal e da ampla defesa consagrados pela Constituição.
Por ironia, os 75 mil autos de infração começaram a chegar na mesma semana em que, em entrevista a uma revista de negócios, o secretário da Receita, Jorge Rachid, afirmou que as ações espalhafatosas do Fisco são pedagógicas e que “a sociedade brasileira tem de fazer uma reflexão de cidadania”. Pagar imposto é obrigação, “mas o cidadão tem direito de cobrar a aplicação correta e eficiente dos recursos arrecadados”, disse ele, após reconhecer que a arrecadação se tornou “uma peça importante do equilíbrio fiscal do governo”.
Essa afirmação é no mínimo estranha, pois cidadania envolve direitos fundamentais – e, sobre isso, Rachid não disse uma única palavra. Habilmente, ele enfatizou a importância dos contribuintes exigirem “aplicação correta e eficiente dos recursos arrecadados”. Contudo, silenciou a respeito dos procedimentos que a Receita vem usando para aumentar a qualquer preço a arrecadação de impostos. É a prepotência autoritária dos métodos empregados para isso o objeto da nota de protesto das entidades representativas dos escritórios de contabilidade.
Na autuação indiscriminada de 75 mil empresas, afirma a nota, parte do montante cobrado se refere a valores já liquidados em pagamento de outros autos de infração. Mas, como, por incompetência, a Receita não cancelou o débito em seus cadastros, seus computadores emitiram novos autos de infração, obrigando os contribuintes a perder tempo e dinheiro para comprovar que estão em dia com suas obrigações fiscais, o que é uma violência.
Na entrevista que concedeu à revista de negócios, Rachid afirmou que a Receita hoje cruza mais de 80 fontes de informações, para combater a sonegação. Contudo, denunciam os contabilistas, esse cruzamento peca por “inconsistência”, pois o sistema usado pelo Fisco não é capaz de identificar pagamentos de impostos corretamente efetuados nem eventuais erros na utilização dos códigos de recolhimento. Embora nos últimos anos o órgão tenha multiplicado por cinco o número de documentos exigidos dos contribuintes, sua estrutura permaneceu a mesma.
Mais grave ainda são as multas aplicadas sobre tributos já declarados e recolhidos. Em muitos dos autos de infração, elas chegam a 75%. Mas, diz a nota, “há casos nos quais a multa aplicada corresponde a mais de 10.000% do valor devido ao Fisco (parcela da multa de mora), não se podendo admitir que o contribuinte que declarou ou recolheu o tributo seja penalizado com multa não condizente com a infração ou mais apropriada ao caso de sonegação”.
Além disso, afirmam os contabilistas, embora a Receita sempre tenha sido exigente em matéria de prazos, os contribuintes e os escritórios contábeis que os assessoram enfrentam enormes dificuldades devido à paralisia dos serviços de atendimento das unidades do Fisco, em decorrência da greve dos servidores públicos, que já dura mais de dois meses. Com isso, as empresas não conseguem obter certidões negativas de débito, o que as impede de participar de licitações, receber crédito em bancos públicos e promover alterações societárias. Diante de tanta prepotência, a nota concita “os diversos segmentos econômicos” a defender seus direitos contra a obsessão fiscalista das autoridades tributárias nos tribunais.
Ao refutar a nota, as autoridades fiscais substituíram a arrogância habitual por respostas surpreendentemente comedidas. O que decerto explica essa prudência é a consciência de que a ofensiva contra as empresas pode ser detida a qualquer momento pela Justiça, por ferir a Constituição. Infelizmente, essa tem sido a trajetória da Receita, um órgão que, de tempos em tempos, age como se não estivessem em vigor as mais elementares regras do Estado de Direito.