Impacto fiscal da nova lei ainda preocupa
Publicado em:
Graziella Valenti
Os teóricos da nova legislação contábil brasileira estão cada vez mais enfáticos no discurso de que a reforma não muda nada na rotina fiscal das companhias, ou seja, nem aumenta nem diminui os tributos a pagar. Afinal, foi esse o acordado desde o começo, quando as alterações começaram a ser debatidas, cerca de cinco anos antes de ser enviada ao Congresso Nacional, onde ficou por sete anos em análise até dezembro passado.
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Mas essa estratégia não está se mostrando bem sucedida para acalmar as dúvidas das companhias, auditores, contadores e advogados da área tributária. Continuam todos na expectativa de um posicionamento da Receita Federal garantindo que a fatia do governo não aumentará com a nova lei. Até agora, o órgão do governo não se pronunciou publicamente sequer para admitir que estuda o tema.
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Parte da ansiedade das empresas deve ser atendida, pois em meados deste ano a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) emitirão a norma que explicará como fazer o balanço que garante a neutralidade fiscal da mudança da lei, o chamado Laluc – Livro de Apuração do Lucro Contábil.
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A criação desse documento e sua previsão na nova lei foram o meio encontrado para garantir o acordo de cavalheiros sobre a ausência de impacto tributário na reforma da Lei das Sociedades Anônimas, no capítulo que trata da contabilidade.
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O Laluc, conceitualmente, nada mais é do que a manutenção das regras atuais, já emitidas pela Receita Federal. É dele que sairá o gasto com imposto da companhia. Primeiramente, a empresa prepara esse documento, que também deve ser auditado, e entrega ao Fisco. Depois, promove sobre ele os ajustes necessários para adequação dos números às normas emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
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"Eu o chamo de balanço secreto. O elo entre a empresa e a Receita [Federal]", brinca Eliseu Martins, professor da Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e vice-coordenador técnico do CPC – um dos pais da reforma e idealizador do Laluc, junto com o professor Nelson Carvalho, e hoje presidente do conselho consultivo de normas do Comitê Internacional de Padrões Contábeis (Iasb).
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Mas é justamente a confecção de um documento com base apenas nas regras da Receita Federal que assusta advogados e auditores. "Não há um padrão contábil fiscal. As regras fiscais se remetem à Lei das Sociedades Anônimas", ressalta Ana Campos, sócia diretora da Hirashima & Associados, empresa de assessoria financeira e contábil.
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Celso Costa, sócio da Machado, Meyer, Sendacz e Opice, também apresenta essa preocupação. Segundo ele, a legislação reformada, a 11.638, garantiu em alguns pontos essa questão da neutralidade. Porém, em outros, abriu lacunas e espaço para variadas interpretações ao modificar temas societários e não deixar expresso como tratá-los fiscalmente – como aquisição e incorporação de outras empresas.
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Os especialistas apontam que, ao tratar da ausência de impacto tributário, o texto da lei refere-se aos ajustes feitos para atender a harmonização do padrão contábil brasileiro ao internacional. Tal redação, afirma Celso Costa, abre espaço para o questionamento se normas com outra finalidade podem ter reflexo fiscal. "O ambiente ainda é de muita indefinição", destaca Ana Campos, da Hirashima.
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Mas o professor Martins, ao falar do tema sem suas apresentações, é cada vez mais enfático sobre a neutralidade fiscal. Na mais recente deles, na sede da Fipecafi, disse: "Representantes da Receita no CPC já levantaram essa bandeira, dizendo que essa era a missão deles ali [garantir a ausência de efeito fiscal com a nova contabilidade]".
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Ariovaldo dos Santos, também professor da Fipecafi, explica que a orientação para o Laluc nada mais será do que a aplicação de todas as normas fiscais já existentes. Porém, admite que o Fisco deve se pronunciar sobre a manutenção das suas regras, para conforto das empresas.
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Martins contou que, idealmente, o pronunciamento da CVM e do CPC sobre o Laluc está previsto para julho. No entanto, ele acredita que não haverá tempo suficiente, em razão do trabalho necessário – desenvolvimento, consulta pública, compilação das contribuições e emissão da norma. Mas certamente sairá este ano. Segundo ele, o grupo de trabalho que discutirá o documento foi formado no fim de março, reunindo CPC, CVM e Receita.
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Para especialistas que acompanham o dia-a-dia das companhias, é justificável a ansiedade. No passado, já houve uma tentativa de separação entre o livro fiscal e o mercantil da companhia. O procedimento era o oposto do previsto na 11.638. Primeiramente, a empresa fazia o balanço para investidores e depois ajustava para a Receita Federal. Mas a iniciativa não pegou, pois preponderaram o entendimento e a preocupação das companhias com as questões fiscais. Assim, a neutralidade tributária é determinante para o sucesso do novo padrão contábil brasileiro.
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