Logo Leandro e CIA

Fraude do boleto ameaça novos empresários

Publicado em:

Associações com nomes semelhantes aos de entidades tradicionais enviam cobranças indevidas a empresas em processo de constituição

LUIS FERNANDO KLAVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os empreendedores de primeira viagem devem ficar atentos para não se tornar vítimas de um golpe antes mesmo de seus negócios começarem a funcionar. Aproveitando da inexperiência e ingenuidade de alguns, supostas associações de classe, sindicatos, assessorias e consultorias estão emitindo milhares de boletos bancários em nome de empresas ainda em processo de constituição. O objetivo é confundir o empresário, induzindo-o a acreditar que se trata de taxa obrigatória.

Apesar de os estreantes no mundo empresarial serem os principais alvos, até firmas antigas têm recebido as cobranças. O problema acontece há mais de um ano, mas só agora as primeiras denúncias chegaram às autoridades. Como os valores dos boletos são relativamente baixos -entre R$ 150 e R$ 300-, a maioria não se sente estimulada a denunciar ou recorrer ao Judiciário.

O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, cuida de aproximadamente dez inquéritos envolvendo esse tipo de fraude. “Recebemos as denúncias nos últimos três meses e estamos começando as investigações”, diz o promotor Arthur Pinto Filho. Os responsáveis pelo envio dos boletos podem ser classificados como estelionatários e, se condenados, estarão sujeitos a penas de um a cinco anos de reclusão.

Entidades como a ACSP (Associação Comercial de São Paulo), a Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) e a CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil) também estão se mobilizando, já que, indiretamente, também são prejudicadas. Muitos dos boletos têm como cedentes nomes parecidos, como Associação Comercial e Empresarial do Brasil, Assessoria Comercial do Estado de São Paulo e Associação Nacional da Indústria e Comércio, o que pode confundir o empresário.

“Processamos uma dessas entidades por causa da similaridade com o nosso nome e vencemos. Pouco tempo depois, no entanto, eles reapareceram no mercado com outro nome. É um grupo de estelionatários que se aproveita da boa-fé das pessoas”, diz o superintendente jurídico da ACSP, Carlos Celso Orcesi da Costa.

A CACB, que representa as principais associações comerciais, levou o caso ao conhecimento da Procuradoria do Trabalho do Distrito Federal, já que algumas cobranças se referiam a supostas contribuições sindicais devidas pelas empresas.

A Jucesp, por sua vez, diz não ter muito a fazer para coibir o delito, a não ser esclarecer o usuário. Todo registro feito no órgão precisa ser publicado no “Diário Oficial”, uma das prováveis fontes de informação dos golpistas.
Os usuários do Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) também sofrem com o problema. O órgão pôs em sua página na internet um aviso sobre as cobranças indevidas. Ao pedirem o registro de marcas e patentes, empresas estão recebendo boleto no valor de R$ 420 referente a “taxa de atualização de dados cadastrais e agilização do pedido de registro”. A taxa não existe.

Congelamento da conta

Segundo o diretor jurídico da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), Johan Albino Ribeiro, caso os bancos identifiquem clientes usando os boletos de forma fraudulenta, a conta corrente pode ser congelada, e o caso, levado à Justiça. “O sistema financeiro criou uma facilidade, ao permitir que os próprios clientes emitam seus boletos. Mas alguns fazem mau uso da ferramenta.”

Mesmo sendo impossível precisar o valor arrecadado com a estratégia, alguns especialistas arriscam dizer que a taxa de sucesso é de 10%. Em 2005, segundo o DNRC (Departamento Nacional de Registro do Comércio), foram abertas 490 mil empresas. Se 10% delas pagaram indevidamente um boleto de R$ 150, a receita dos golpistas superou R$ 7 milhões.

OUTRO LADO

Entidade diz que meta é defender micro e pequenas
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Fabrizio Quirino, diretor de marketing da Aceb (Associação Comercial e Empresarial do Brasil), uma das campeãs de reclamações, afirma que não são enviados boletos sem a identificação do propósito da entidade, que seria defender os interesses de micro e pequenas empresas.

“Se alguém recebeu um boleto nosso sem a devida identificação, provavelmente ocorreu um erro na remessa, já que sempre enviamos um folheto explicativo junto”, diz. “Somos uma entidade séria e atuamos em todo o território nacional prestando diversos serviços, como consultoria nas áreas de marketing, finanças, tributos e jurídica”, diz.

Para reforçar o argumento sobre a idoneidade da Aceb, sediada em São Paulo, Quirino cita parcerias com o banco Lemon Bank, a seguradora Cardif e a operadora de planos de saúde Amesp. Todas as empresas, no entanto, negam ter relacionamento com a entidade.

Até quinta-feira da semana retrasada, o site da Aceb citava essas parcerias. No dia seguinte, entretanto, uma nova versão entrou no ar, sem elas.
Procuradas pela reportagem da Folha, as demais entidades e empresas acusadas de enviar cobranças indevidas não foram localizadas.

Maioria das vítimas não registra ocorrência

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cerca de dez dias após ter protocolado na Junta Comercial do Estado de São Paulo o pedido de abertura de empresa de arte digital, o administrador Márcio de Azevedo, 24, recebeu boleto bancário com vencimento para dois dias depois. Sem saber do que se tratava, procurou seu contador, que o informou sobre o golpe.

“Uma pessoa mais desatenta cairia facilmente, já que o boleto estampa uma bandeira paulista e um nome parecido com o da Junta Comercial”, conta. Mesmo se sentindo lesado, Azevedo não pretende prestar queixa na polícia, já que isso lhe “causaria uma enorme dor de cabeça”.

Na opinião de Sandra Fiorentini, consultora jurídica do Sebrae-SP, esse tipo de golpe continua acontecendo porque a maioria das vítimas não denuncia. “Caso o empresário receba uma cobrança irregular, o ideal é que ele se dirija a uma delegacia e registre um Boletim de Ocorrência.”

De acordo com o diretor da consultoria Confirp, Reinaldo Domingos, antes de pagar qualquer coisa, o empreendedor deve se perguntar se a cobrança é devida e qual o objetivo dela.

A especialista do Sebrae lembra que os órgãos públicos, em geral, não emitem boletos, a não ser para a arrecadação de tributos como o IPTU (imposto sobre imóveis).

Outro tipo de cobrança que merece atenção é a praticada pelos sindicatos. O empresário Hugo Roberto Maurano, por exemplo, diz que recebeu boleto referente à contribuição dos empregados de sua fazenda. “Não tenho funcionários nessa propriedade.”