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Exigência de caução expõe fragilidade da nova Lei das S.A.

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Josette Goulart

 

O fundo de investimento HG Beta 14, administrado pela corretora Hedging Griffo, é um acionista minoritário da Telemar que detém uma participação ínfima na empresa. Mas como acionista tem o direito, garantido pela Lei das Sociedades Anônimas, de ir à Justiça, em nome da empresa, quando achar que a companhia foi prejudicada por decisões tomadas por seus controladores. Foi o que fez o HG, por acreditar que a compra da Oi pelo valor simbólico de R$ 1,00 tenha causado um prejuízo bilionário à companhia. A Justiça do Rio de Janeiro determinou que o valor da causa seja o mesmo do suposto prejuízo – R$ 1 bilhão – e o número exorbitante acabou por expor uma fragilidade da Lei das S.A.: a exigência de caução.
Na quarta-feira, o Tribunal de Justiça do Rio de janeiro (TJRJ) determinou que o fundo dê garantias equivalentes a R$ 300 mil para que a causa prossiga. Os advogados da Telemar, entretanto, querem mais – 20% do valor da causa, percentual que os controladores eventualmente terão que pagar a título de honorários caso percam a ação. Se o tribunal concordasse com o percentual de 20%, ou seja, R$ 200 milhões, inviabilizaria a continuidade do processo. Pensando nisso, por maioria, a turma do TJRJ que julgou o caso determinou um valor bem inferior aos 20%. Um dos magistrados sequer queria que houvesse a caução e chegou a suscitar a inconstitucionalidade da exigência.
Diz o artigo 246 da Lei das S.A. que qualquer acionista pode ir à Justiça em busca de reparação por possíveis danos que os controladores tenham causado, mas aqueles que detiverem menos de 5% das ações são obrigados a caucionar o valor referente às custas do processo e honorários de advogados devidos no caso de a ação ser julgada improcedente. Este dispositivo da legislação nunca foi questionado no Supremo Tribunal Federal (STF), mas em março deste ano a corte se posicionou sobre a exigência de garantias. Os ministros consideraram ser inconstitucional o depósito prévio que tinha que ser feito por aqueles que queriam discutir débitos previdenciários. No mesmo dia, em um outro processo, entenderam que o próprio arrolamento de bens nos processos fiscais em instâncias administrativas são inconstitucionais, porque cerceiam o acesso ao Judiciário.
O advogado Luiz Leonardo Cantidiano, que já foi presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), acredita que o objetivo da lei é estipular um ônus na tentativa de evitar aventuras jurídicas. Já o professor Jorge Alexandre Tavares Guerreiro considera que, apesar de ter esta função, o dispositivo pode, sim, cercear o acesso do minoritário ao Poder Judiciário. Principalmente porque o valor da caução fica a critério de juízes e desembargadores. As custas do processo, por exemplo, podem chegar aos 20% do valor da ação.
Se por um lado o minoritário tem este ônus se perder a causa, por outro, ao sair vitorioso, pode receber um bom prêmio pela ação. O controlador, além de ter que reparar o dano à empresa, terá que pagar 20% do valor da causa em honorários e mais 5% ao autor da ação, conforme estabelece o parágrafo 2º do artigo 246. Este é um dos motivos para que os advogados da Telemar queiram que o mesmo ônus seja que possam vir a ter no futuro seja aplicado agora ao minoritário fundo HG Beta. O advogado do fundo, Ricardo Freitas, foi procurado mas não quis comentar o assunto. Os advogados da Telemar, do escritório de Sérgio Bermudes, também foram procurados e não quiseram se pronunciar.
A briga tem como mote a compra da operadora de telefonia celular Oi em março de 2003. A Tele Norte Leste Participações detinha 100% da empresa e outros 80% da Telemar. Na operação de compra, a Telemar levou a Oi por R$ 1,00 e, junto com ela, um passivo que ultrapassava R$ 4 bilhões. Por isso, os minoritários consideraram que o preço pago foi alto demais, já que a operação teria levado prejuízos à Telemar. As notas explicativas da empresa dos balanços da época da compra chegam a informar que a compra da Oi gerou um ágio de quase R$ 500 milhões. Em outras operações de mercado, o ágio significa a diferença entre o que foi pago e o valor do patrimônio líquido na época da venda. Isto significaria que, de fato, a Oi tinha um patrimônio líquido negativo na época. Procurada pela reportagem, a empresa informou não ter nenhum executivo disponível para explicar o porquê desse ágio.
A operação da compra da Oi foi tão controversa que chegou a gerar um inquérito na CVM. Em maio desse ano, depois de três anos de investigação, a comissão de inquérito do órgão regulador concluiu que há indícios suficientes para acusar a holding do grupo Oi , a Tele Norte Leste Participações, de favorecimento na venda da empresa. Além disso, constatou que a empresa tinha um patrimônio líquido negativo à época da venda que chegava a R$ 1,17 bilhão. Com esta acusação foi iniciado um processo administrativo da CVM para apurar os responsáveis. Além disso, a companhia responde a um processo na Justiça Federal impetrado pelo Ministério Público Federal.

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