Empresas contestam mudança na cobrança de ICMS em venda direta
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Marli Lima e Marta Watanabe
Uma discussão entre Estados e empresas de venda porta a porta em torno da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) está gerando uma corrida à Justiça nos Estados do Paraná e Santa Catarina.
Os questionamentos das empresas – entre elas, as fabricantes de cosméticos Avon e Natura – surgiram depois que os dois Estados mudaram as regras para apurar o valor do ICMS pago no sistema de margem de valor agregado, em que o fabricante antecipa o pagamento do imposto com base em uma estimativa do valor que será adicionado até a venda ao consumidor final. A margem em vigor até o início das discussões no Judiciário variava entre 25% a 35%. Os Estados, porém, defendem que a margem anterior é muito inferior à prática de mercado. Por isso, desde outubro do ano passado, o Paraná reajustou a margem de 30% para 72%. Santa Catarina revogou os regimes especiais e passou a cobrar o ICMS tendo como parâmetro os preços divulgados nos catálogos usados pelas vendedoras.
O governo do Paraná alega que as empresas de venda direta estão subfaturando os valores declarados para o recolhimento de ICMS. O procurador-geral do Paraná, Sérgio Botto de Lacerda, informou ontem que está reunindo elementos para ingressar em juízo e tentar reverter as liminares obtidas por empresas permitindo que elas depositem em juízo a diferença entre os valores cobrados pelo Fisco e o que era devido pelas margens anteriores.
De acordo com ele, em janeiro de 2005 a Receita Estadual fez um levantamento e constatou que os preços de catálogo de empresas de cosméticos eram bem maiores que os apresentados nas notas fiscais. “Isso indica subfaturamento”, diz.
O Valor teve acesso ao levantamento, que lista uma série de produtos e seus preços. Ele mostra que um desodorante da Avon tinha valor unitário de R$ 2,51 na nota fiscal e, no catálogo, de R$ 11,99, ou 377,7% maior. No caso da Natura, o preço de um batom na nota fiscal era de R$ 7,39 e, no catálogo, de R$ 21,10, ou uma diferença de 185%. A média da margem da Natura, segundo esse documento, é de 113%. “Se essa diferença pode ser sonegação? Sim, pode ser”, pondera o procurador.
Lacerda contou que foram feitas duas mudanças com relação a empresas de venda direta no Estado. Primeiro foi extinto o benefício fiscal de dilação do pagamento do ICMS, depois foi aumentada a margem de valor agregado. Ele acrescentou que as decisões foram tomadas após um ano e meio de estudos. Foi, segundo o procurador, montado um grupo de trabalho com quatro Estados da federação – Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul. Os dois últimos Estados não alteraram a tributação do setor.
Procuradas, a Avon e a Natura informaram que o assunto deve ser tratado com a Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta (ABEVD).
A coordenadora do comitê de assuntos legais e relações governamentais da ABEVD, Lucilene Prado, não concorda com o procurador. “Não há subfaturamento, mas um equívoco do governo do Paraná”, afirmou. Ela disse que cerca de 100 mil revendedoras atuam no Estado e, assim como seria impossível obrigar que elas emitam notas, também não dá para as empresas saberem quanto elas cobram dos clientes. “E boa parte do que elas pedem é para consumo próprio”, disse, sem especificar quanto. “Ao longo de 30, 40 anos, essa margem foi de 30% e deveria ser feito um estudo para saber qual o valor deveria ser cobrado.”
Lucilene acrescenta que os preços de catálogos são oferecidos como sugestão e que a diferença pode ser explicada de diversas maneiras. Além do consumo próprio, há o lucro da revendedora e os descontos que são oferecidos a clientes.
Um consultor ligado a algumas empresas envolvidas conta que a estimativa é de que os descontos atinjam entre 10% e 15% das vendas. Segundo ele, as empresas deverão manter as discussões judiciais em relação ao Estado do Paraná.
Segundo o consultor, as empresas aceitam rediscutir as margens de de valor agregado, mas, em função da falta de consenso entre Fazenda e os contribuintes, defendem que as estimativas sejam definidas em levantamentos de institutos de pesquisa especializados. Os Estados e as empresas chegaram a estudar a contratação da Fipe, ligada à USP e de um núcleo de pesquisas da Universidade Federal de Santa Catarina. O consultor, diz, porém, que as reuniões entre a fiscalização e as companhias do setor pararam antes que houvesse algum tipo de consulta aos institutos de pesquisa.
A contratação de empresas para definir as margens teria apoio na Lei Kandir, de 1996. A lei determina que os valores para casos de substituição tributária ou para regimes que usam estimativas de valor adicionado devem ser definidos em parceria entre Fazenda e contribuintes. “As empresas não concordam com os cálculos do Paraná, que é parte na história e tem o interesse de arrecadar. Por isso seria necessário o levantamento de um instituto especializado, capaz de medir os efeitos do consumo próprio e dos descontos nas margens”, diz o consultor.