Em vez de emprestarem, bancos usam ajuda para sanar dívida
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Fonte: The New York Times
Eric Lipton
Ron Nixon
As péssimas apostas feitas pelos executivos do Independent Bank of Michigan eram evidentes em vários locais do Estado: um defunto salão de boliche, um shopping center totalmente novo mas nunca usado e o luxuoso Whispering Woods Estates, que oferece lotes excelentes para casas dos sonhos nunca construídas. Agora é o governo federal que está fazendo a aposta alta.
O Tesouro americano investiu US$ 72 milhões dos US$ 700 bilhões dos fundos de auxílio federal para ajudar a escorar esse banco comunitário, cujas raízes em Michigan se estendem por 144 anos. É uma parcela pequena do gigantesco fundo de resgate de Washington para encorajar bancos como o Independent a prosseguir com empréstimos e esquentar a economia congelada.
Mas o Independent, com a difícil função de encontrar bons investimentos em uma economia em declínio, teme cometer os mesmos erros que o deixaram nessa situação e não tem emprestado muito ultimamente. Até agora, o banco usou todo o dinheiro governamental para fortalecer suas próprias frágeis finanças, pagando empréstimos de curto prazo ao Federal Reserve, o banco central americano. "É como estar em um avião e a máscara de oxigênio cai," disse Stefanie Kimball, chefe do departamento de crédito do banco. "A primeira coisa que você faz é colocar a máscara, se estabilizar."
Não é o que o Departamento do Tesouro tinha em mente quando iniciou o programa, dizendo que forneceria aos "bancos saudáveis" do país dinheiro suficiente para começarem a emprestar novamente, de forma que pessoas pudessem comprar casas e negociantes investir e criar empregos, revigorando uma economia em processo de desintegração.
Um olhar mais cuidadoso sobre como o Independent Bank está usando o dinheiro do governo demonstra que as dificuldades são maiores do que se pensava e os desafios conflitantes que os bancos americanos enfrentam na nova era de socorro financeiro. Como centenas de outros bancos, ele está preso entre a pressão governamental para aumentar seus empréstimos e sua própria cautela.
Até terça-feira, 257 instituições financeiras em 42 Estados receberam US$ 192 bilhões de injeção de capital do Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (TARP, na sigla em inglês) do Tesouro, dos US$ 250 bilhões reservados para esse propósito. Sete gigantes bancários – como JPMorgan Chase e Citigroup – receberam mais de 62% do total até agora, e ganharam boa parte da atenção.
Mas são os bancos comunitários menores como o Independent que recebem o maior número de investimentos, com 186 bancos até agora conseguindo alocações de menos de US$ 100 milhões. Sem muita atenção do público, esse dinheiro nas últimas semanas tem jorrado para os bancos comunitários do país, em montantes que podem ser de apenas US$ 1 milhão – o valor reservado para o Independent Bank de East Greenwich, Rhode Island. Espera-se que mais de mil bancos participem do programa.
Embora muitos dos bancos que receberam o dinheiro pareçam estar relativamente saudáveis, dezenas de outros beneficiários do fundo federal estão, como o Independent Bank of Michigan, em crise financeira por um alto volume de inadimplência.
Socorro é questionado
Economistas afirmam que a decisão de bancos como o Independent de usar o dinheiro federal para propósitos alheios a empréstimos, embora desapontadora, não é surpreendente, uma vez que o Departamento do Tesouro não honrou seu plano de ceder dinheiro apenas a bancos saudáveis.
"É uma questão de lógica – quando você está numa situação de risco, como muitos deles, você tenta reforçar seu balanço patrimonial," disse Alan S. Blinder, professor de política monetária de Princeton. "Mas é uma falha real do programa."
Alguns especialistas bancários estão questionando até mesmo se o socorro pode fazer mais mal do que bem em certos casos, ao dar a bancos como o Independent um colchão enquanto se esforçam em corrigir seus problemas, ao invés de forçá-los a afundar ou nadar por si sós. Isso pode inclusive atrasar fusões de bancos mais fracos com outros saudáveis.
"Você mantém uma série de instituições problemáticas em um estado de status quo," disse Eric D. Hovde, chefe-executivo de um fundo hedge de Washington que investe no setor bancário. "Eles podem continuar alegres em seus caminhos." No Congresso, a insatisfação com a administração do TARP é profunda. Muitos legisladores dizem que existe pouca supervisão, e que não vêem indícios de que o dinheiro dos contribuintes está saindo dos cofres de bancos para negócios e consumidores. O programa provavelmente será fundamentalmente alterado na administração de Barack Obama, que na segunda-feira pediu ao presidente Bush que requisitasse ao Congresso a liberação dos US$ 350 bilhões restantes.
Alguns legisladores criticaram o Tesouro por permitir que bancos usassem o socorro do governo para adquirir bancos rivais.
Como evidência adicional da ansiedade crescente, reguladores bancários mandaram na segunda-feira um alerta aos beneficiários para que divulgassem como estão aplicando os recursos federais. Também os pressionou para que privilegiassem novos empréstimos. "Muito dinheiro já está circulando e o inspetor geral precisa averiguar a velocidade com que os bancos o estão usando," disse a senadora democrata de Missouri, Claire McCaskill. "Precisamos ter certeza do retorno desse dinheiro e a única forma de conseguir isso é com forte supervisão sobre como ele é gasto."
Neel Kashkari, secretário-assistente interino do Tesouro responsável pelo programa, disse estar convencido de que o socorro cumpre os resultados prometidos ao estabilizar bancos enquanto os encoraja a salvar suas comunidades. Segundo ele, mesmo se o total do crédito não for utilizado, ele é maior do que se não houvesse o programa.
"Ainda estamos em período de extrema baixa confiança," disse. "Portanto, os bancos estão compreensivelmente nervosos em fornecer muitos novos empréstimos. E consumidores estão nervosos em recorrer a novos créditos."
O Independent, com 106 agências e US$ 3,1 bilhões em ativos, ilustra todas essas complexidades.
De forma alguma o Independent está pior economicamente que os outros bancos comunitários do país. Alguns bancos que buscaram fundos do TARP foram considerados tão fracos que oficiais de Washington os desencorajaram a sequer se inscrever. Outros bancos receberam classificação um pouco melhor, mas foi exigido que levantassem capital privado antes de serem aprovados para a ajuda federal.
Quando se inscreveu, o Independent foi considerado "bem capitalizado" pelos parâmetros federais. Ele não foi sujeito a qualquer ordem regulatória recente para mudar a mesa diretora ou suas práticas de crédito, por exemplo.
No entanto, estava em crise. De fato, entre todos os bancos que receberam o socorro até 6 de janeiro, ele era o segundo na taxa de empréstimos podres, quando comparados a seu capital e seu colchão de reservas no caso de mais perdas em empréstimos. Seus depósitos estão encolhendo e o banco perdeu dinheiro no terceiro trimestre. Ele começou a cortar seus dividendos no ano passado, quando suas ações chegaram a 21 centavos de dólar. Agora seus papéis valem um centavo cada. E o banco perdeu milhões de dólares com investimentos ruins no mercado acionário.
Mas o Independent não é um apostador perdulário atormentado por custosos benefícios a executivos, e não foi um grande emprestador de subprimes como muitos outros.
O desaparecimento dos sonhos
Sediado em Ionia, Michigan, 48 km a leste de Grand Rapids, O Independent é o tipo de instituição local que banca as bandas escolares do Estado para que marchem na Parada do Papai Noel de Grande Rapids. Neste mês tinha churrasqueiras George Foreman em suas agências para recompensar os clientes que trouxessem amigos e vizinhos para abrir novas contas. O banco é um dos maiores empregadores de Ionia, uma cidade de 10 mil habitantes com a típica rua principal repleta de fachadas comerciais. Atravessando os subúrbios de Detroit em sua Mercedes preta, Keith Lightbody, vice-presidente sênior do Independent Bank, disse que era fácil ver em retrospecto por que bancos como o dele acabaram da forma que estão.
Lightbody, antigo executivo do JP Morgan Chase contratado há cerca de dois anos pelo Independent, circula pelos locais dos muitos sonhos despedaçados do banco, como o residencial Whispering Wood em Farmington Hills. O banco financiou a construção de ruas e instalações para a área, apenas para ver a construtora falir antes que a maioria dos lotes tivesse sido vendida. Montes de neve agora cobrem as placas de "vende-se".
Talvez ainda mais desesperadoras sejam as lojas vazias em Shelby Township, Michigan, onde uma empreiteira financiada pelo banco construiu o que deveria ser uma vibrante rua comercial, repleta de lojistas e compradores.
Ao invés disso, exceto por um restaurante na frente do complexo, existe apenas uma fileira de janelas escuras, com o trabalho interrompido antes mesmo do chão das futuras lojas ser instalado, deixando seus interiores como caixas de areia repletas de entulho de construção.
Até o fim de setembro, o banco arcou com US$ 115 milhões de dívidas incobráveis, ou cerca de 5% de sua carteira de empréstimos, comparado a menos de 1% em 2005. Cada um desses projetos fracassados tinha algo essencialmente em comum, disse Lightbody.
"Não recuávamos para observar o quadro geral, nos perguntando, estamos realmente fazendo a coisa certa com esse empréstimo?" disse. "Todos estavam ganhando muito dinheiro."
O Independent tem capital aberto e está sob pressão de investidores para reduzir sua carteira de empréstimos problemáticos antes de recomeçar a fornecer crédito. No entanto, ainda quer muito conceder empréstimos, disse Robert N. Schuster, chefe financeiro do banco.
Em períodos normais, o Independent emprestaria até US$ 8 para cada US$ 1 em capital do banco. Os US$ 72 milhões federais, portanto, poderiam gerar até US$ 576 milhões em crédito – a poderosa alavancagem pretendida pelo TARP.
"Todo nosso negócio é baseado em empréstimos – é isso que fazemos, é a missão do banco," disse. Mas o banco não pode simplesmente sair distribuindo dinheiro, disse Shuster, ou todos os envolvidos sairiam perdendo – o mutuário, que provavelmente não pagaria; o banco, que teria mais perdas; e o governo federal, que espera que o Independent devolva os US$ 72 milhões com o pagamento de 5% em dividendos.
"Foi o que nos deixou nesta situação," disse Shuster sobre as antigas práticas de crédito fácil do banco. "Não podemos pôr os consumidores numa posição em que não terão sucesso."
Decisões sobre empréstimos
Kimball, chefe de crédito, enfrenta esse dilema diariamente. Ela continua enrijecendo as exigências para empréstimos, geralmente recusando pedidos, por exemplo, de edifícios comerciais de uso único, como restaurantes, por causa da dificuldade em liquidar as propriedades caso o banco precise reaver o empréstimo, ela disse. O Independent também está mais rígido nos laudos de justificativa para empréstimos de habitação, agora uma necessidade exigida por companhias nacionais que incorporam hipotecas de bancos como o Independent.
"Não vamos reduzir nossos critérios de crédito e fazer um monte de empréstimos extras apenas para liberar o dinheiro," disse Kimball. "Precisamos fazer empréstimos que sejam sensatos hoje e no período."
Trabalhando no escritório em Troy, Kimbal, que tem um jeito controlado e austero, bem como a autoconfiança de 25 anos de serviços financeiros, supervisiona esse esforço enquanto o banco se movimenta, em particular, para cortar o tamanho de sua carteira de crédito imobiliário.
"Não é algo que se muda da noite para o dia," ela disse de seu escritório com vista para Troy. "É como mudar o curso de um navio no oceano."
Ela conhece pessoalmente a maioria dos grandes credores comerciais do banco – saindo às ruas para visitar suas fábricas ou negócios e obter uma idéia melhor de suas condições de pagar os empréstimos.
Um fabricante do oeste de Michigan, cliente de outro banco, foi ao Independent procurando por um empréstimo corporativo. A análise dos livros da companhia mostrou que suas vendas estavam caindo e, pior, que ela estava com dificuldades de receber dos clientes remanescentes, que também sofrem com o declínio econômico. Então o banco precisou tomar a difícil decisão de recusar o empréstimo.
"Não é algo que possamos fazer," disse Shuster, ao recusar a companhia. "Não podemos emprestar nessa situação."
Com os critérios de crédito mais rígidos e os danos que a miserável economia de Michigan provoca em seus negociantes, o grupo de mutuários adequados diminuiu consideravelmente. O resultado líquido é que a balança total de empréstimos comerciais em aberto do banco – que era de cerca de US$ 1 bilhão em junho – encolheu para US$ 50 milhões e provavelmente vai continuar a diminuir ao longo de boa parte deste semestre, segundo Kimball.
Existem, claro, exceções
A Ultimate Hydroforming de Sterling Heights, Michigan, que monta protótipos para a indústria de aviação e automotiva, como o cárter da bateria do novo carro elétrico Chevrolet Volt, conseguiu um novo empréstimo recentemente e provavelmente vai conseguir outros do Independent.
Um negócio em expansão
A fábrica da companhia está a apenas poucos quilômetros de meia dúzia de montadoras automotivas. Mas a Ultimate Hydroforming há anos procura se diversificar, por isso seu negócio continua crescendo a despeito da crise no setor automobilístico.
Kimball, numa visita recente, foi recebida pelo gerente de operações da fábrica, Shane Klyn, e depois circulou pelo local, que está instalando novas imponentes prensas hidráulicas – graças aos empréstimos do Independent – como parte de uma expansão que, espera-se, levará a companhia ao lucrativo ramo de fabricação de partes de mecanismos de energia solar.
"Isso nos permitirá entrar em novos projetos e mercados," disse Klyn enquanto atravessava a fábrica com Kimball, que já estampava um grande sorriso, apesar dos ventos gelados e dos montes de neve do lado de fora. "O banco está nos dando a oportunidade de expandir."
Mas companhias como a Ultimate Hydroforming são extremamente difíceis de encontrar, particularmente em Michigan, onde a taxa de desemprego está bem acima da média nacional.
Sem nenhuma onda de crédito à vista – e com o banco privilegiando maneiras de aprimorar seu balanço – o Independent recebeu o cheque de US$ 72 milhões do Tesouro em meados de dezembro e imediatamente o transferiu ao Federal Reserve para o pagamento dos empréstimos de curto prazo que havia tomado.
Este mês, o banco planeja alavancar o dinheiro do socorro comprando US$ 160 milhões em papéis de hipoteca de instituições como Fannie Mae, um investimento que espera render juros suficientes para pagar os dividendos que deve ao governo federal. Novamente, isso vai trazer poucos benefícios imediatos aos comerciantes e moradores de Michigan. Em essência, os US$ 72 milhões acabaram nos próprios cofres do Tesouro.
Hovde, o investidor de fundos hedge que acredita que o socorro postergou o fim de diversos bancos, disse temer que muitos dos bancos gastassem seu dinheiro federal apenas para agonizar mais tarde. E que acabassem não fazendo os empréstimos que o Tesouro espera para reativar a economia. Oficiais do Tesouro permanecem confiantes de que os investimentos são sensatos.
"Haverá mais empréstimos do que se não tivéssemos feito isso," disse Kashkari. "Mesmo se os números totais diminuírem ano após ano, serão muito maiores do que se não injetássemos capital no sistema."
E, de volta a Michigan, Shuster disse estar determinado a provar que Kashkari – com quem nunca falou ou conheceu – está certo.
"Mesmo se as coisas ficarem mais difíceis, tenho confiança de que poderemos superar e pagar cada centavo de volta ao Tesouro dos EUA," disse. "Não deixaremos passar qualquer detalhe para nos certificar de que estamos cuidando bem desse dinheiro. Nós sentimos uma enorme responsabilidade com o Tesouro. Também sou um contribuinte."
Tradução: Amy Traduções.