Dívida externa encolhe e risco cai
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Os investidores externos se preparam para um início de 2006 de muita liquidez disponível, mas com falta de títulos da dívida externa de países emergentes à venda no mercado. A razão: a maior parte dos governos desses países já fez um financiamento prévio das necessidades de 2006, aproveitando as boas condições de mercado. Além disso, a dívida externa dos países emergentes – não apenas a do Brasil – está encolhendo, com o pagamento antecipado ao Fundo Monetário Internacional, Clube de Paris, organismos multilaterais e mercado. Há também um movimento geral de troca de dívida externa por dívida interna, segundo a Lehman Brothers.
A participação da dívida externa dos países emergentes em relação ao endividamento externo mundial total, de 42% em 2002, caiu para 32% neste ano. “A contração no estoque de dívida externa dos governos combinada com abundante liquidez no lado da demanda poderá dar suporte aos preços dos títulos nos próximos meses”, dizem os analistas Guillermo Mondino e Phil Yuhn, da Lehman Brothers.
Se os preços dos títulos da dívida sobem, os rendimentos caem e com eles o prêmio de risco pago sobre os títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O risco-Brasil – que ontem chegou a cair pela primeira vez abaixo da barreira psicológica de 300 pontos básicos, batendo nos 298 pontos, para fechar a 307 pontos – pode se reduzir mais.
Com a escassez de dívida externa a ser emitida, os investidores que quiserem ampliar sua exposição aos mercados emergentes poderão ter de considerar compras de mais papéis de empresas, se elas emitirem, de governos com maior risco de crédito e até mesmo ampliar sua participação nos mercados internos dos países, afirmam os analistas da Lehman Brothers.
Entre os países da América Latina, somente o Brasil precisa lançar títulos no mercado internacional em 2006. Do vencimento de US$ 11,8 bilhões em 2006 e 2007, o Tesouro Nacional brasileiro anunciou que vai quitar 20% e rolar apenas US$ 9,4 bilhões, ou aproximadamente US$ 5 bilhões em 2006. Mas US$ 3,5 bilhões já foram obtidos antecipadamente neste ano, sobrando US$ 1,5 bilhão para o ano que vem, diz o analista John Welch.
A Argentina, embora necessite de financiamento de US$ 2,4 bilhões em 2006, deve rolar mais de US$ 2,2 bilhões deste total no mercado interno, avalia a Lehman Brothers. A emissão de dívida interna para quitar dívida externa é uma tendência geral entre os emergente: a participação da dívida interna no endividamento total desses países passou de 69,4% em 2003 para 75,5% em junho de 2005.
Fora o Brasil e Argentina, nenhum país da América Latina precisa rolar dívida externa em 2006. Com isso, o total de emissão de bônus internacionais dos governos dos países emergentes previsto vai ficar em não mais do que US$ 25 bilhões no ano que vem – US$ 16,9 bilhões da Europa do Leste e US$ 4,5 bilhões da Ásia.
O valor crescente das exportações, saldos comerciais e em conta corrente polpudos, crescimento econômico forte da maior parte dos países e receitas tributárias em ascensão têm ampliado o caixa dos emergentes e possibilitado a quitação antecipada da dívida externa. Os exportadores de petróleo, como a Rússia e Venezuela, estão especialmente tranqüilos. A Rússia pagou antecipadamente US$ 15 bilhões ao Clube de Paris e planeja quitar os US$ 28 bilhões restantes nos próximos três anos, diz a Lehman Brothers. A Rússia tem um fundo de estabilização do petróleo de US$ 45 bilhões.
O Brasil não ficou atrás e vai quitar antecipadamente em janeiro US$ 2,6 bilhões, o restante de sua dívida com o Clube de Paris, depois de ter acabado de pagar no final de semana US$ 15,5 bilhões antecipadamente ao FMI. Está com reservas internacionais de mais de US$ 53 bilhões. A Argentina anunciou que vai quitar antecipadamente sua dívida de US$ 9,8 bilhões com o FMI. O Peru emitiu US$ 1,5 bilhão no mercado local e internacional neste ano para pré-pagar o Clube de Paris. A Turquia deve emitir no mercado em 2006 para pré-pagar sua dívida com o FMI.
A Lehman Brothers acredita que os países emergentes vão aproveitar as condições favoráveis do início de 2006 para melhorar o perfil de sua dívida externa, alongando prazos e reduzindo custos. Neste ano, exemplos desse tipo de “gerenciamento de passivos” foram a troca do C-Bond pelo A-Bond do Brasil, os “swaps” da Colômbia e Venezuela e a emissão dos “warrants” pelo México, que já antecipou as necessidades de financiamento de 2006 e 2007.
As receitas com petróleo permitiram à Venezuela, antes apenas vendedora de dívida externa, se tornar compradora – o país adquiriu US$ 1,48 bilhão em bônus emitidos pela Argentina e pelo Equador. Com a procura por rendimento, países mais arriscados, como o Equador, conseguiram lançar títulos no total de US$ 650 milhões pela primeira vez desde a moratória de 1999. O Vietnã emitiu papéis pela primeira vez, no total de US$ 750 milhões, com demanda de US$ 4,5 bilhões.
Welch acredita que, apesar das condições favoráveis no início do ano, dificilmente os papéis da dívida externa dos emergentes em 2006 darão rendimentos tão altos ao investidor como neste ano. “Em 2005, proporcionando retornos totais de cerca de 10%, essa classe de ativos se tornou a clara ganhadora em relação a ações, papéis de high yield (alto retorno) de empresas americanas, papéis de high grade (baixo risco) e títulos do Tesouro dos EUA”, dizem os analistas. Entre os emergentes, os papéis da dívida da América Latina foram os mais rentáveis, diz a Bloomberg. Os riscos para 2006 são políticos, com eleições na Colômbia, Brasil, Peru e México, e de um aperto na liquidez internacional.