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Criatividade nas tarifas bancárias

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Instituições financeiras driblam a legislação, cobram por serviços que deveriam ser gratuitos e punem clientes que pagam prestações antecipadamente. Faltam regras contra espertezas dos bancos

 
Vicente Nunes
Da equipe do Correio

Os bancos estão cada vez mais criativos na cobrança de tarifas. E boa parte dessa criatividade decorre das normas baixadas pelo Banco Central, que, por não serem específicas, deixam caminho livre para que as instituições abusem do bolso de sua clientela. A constatação é de João Evangelista de Souza Filho, chefe da Divisão de Atendimento ao Público do BC, órgão onde deságuam todas as queixas e denúncias dos consumidores bancários. “Infelizmente, o que não é proibido está liberado. E como várias normas baixadas pelo BC são dúbias, o banco as interpreta da forma que lhe for mais conveniente, deixando pouco espaço para que a fiscalização do BC possa proteger os usuários do sistema”, afirma.

A lista com os abusos que Evangelista chama de criatividade dos bancos é imensa — foram 17.712 denúncias com indícios de descumprimento de normas do BC desde o início deste ano, número quase nove vezes maior que o de reclamações sem sinais de irregularidades (2.035). Ela começa pelas tarifas dos talões de cheque. Por determinação do BC, os bancos são obrigados a dar, gratuitamente, um talão com 10 folhas aos correntistas. O que está sendo seguido à risca. Mas já há bancos cobrando para compensar cada um dos cheques, independentemente dos valores.

Na prática, um serviço que deveria ser gratuito está sendo tarifado indiretamente. Mesmo aqueles que abriram mão do talão por um cartão magnético para movimentar a conta corrente (o cartão deve ser gratuito) estão sendo punidos, pois os bancos vêm cobrando por saques dentro de suas próprias agências e tarifando as retiradas realizadas em terminais eletrônicos — apenas uma no mês é gratuita.

A norma do BC que regulou o talão e o cartão magnético gratuitos prevê aos correntistas lançarem mão de seus recursos em determinado período sem ônus. “Mas não é o que vemos”, diz o técnico do BC. Outro abuso, como ele mesmo define, está na tarifa cobrada pelos bancos de que decide pagar empréstimos antes do vencimento. Essa tarifa, em alguns bancos como HSBC, Renner, Gmac, Luso Brasileiro e Máxima, além da financeira Omni, chega a R$ 5 mil por operação. Ou seja, uma pessoa que fez um financiamento de R$ 1 mil em uma dessas instituições por 12 meses e quite a dívida na metade do prazo pagará multa num valor cinco vezes maior do que o emprestado.

“Nesses casos, é melhor que o cidadão continue pagando as prestações e abra mão de um direito, o de antecipar o pagamento com o desconto dos juros embutidos nas parcelas a serem pagas”, ressalta o chefe do Atendimento do BC. “Essa tarifa é uma forma de compensar as receitas futuras com as quais os bancos estavam contando”, justifica Luís Fernando Queiroz, superintendente Jurídico e de Compliance do Banco GE Capital, cuja taxa para quitação antecipada chega a R$ 3 mil. “Esse é nosso valor máximo. Só vale para empréstimos de maior valor. Nos financiamentos mais baixos, cobramos, em média, R$ 160”, afirma. O GE Capital opera fortemente no Senado Federal, oferecendo a seus funcionários empréstimos com desconto em folha (consignado). Os bancos citados foram procurados, mas nem todos responderam.

Portabilidade em risco
A justificativa de Queiroz (necessidade de compensar o não-recebimento de receitas futuras) não convence o responsável pela central de atendimento ao consumidor do BC. Por uma simples razão: o dinheiro recebido antecipadamente será emprestado para outra pessoa, que pagará os juros que deixaram de ser arcados pelo felizardo que se livrou deles. Mas, além do exagero dessas taxas, o que deixa o BC mais ouriçado é o fato de que, ao imporem punição para aqueles que pagam dívidas antes do vencimento, os bancos estão criando problemas para que vingue uma das medidas mais festejadas pelo governo com o intuito de aumentar a competição e de derrubar as taxas de juros: a portabilidade do crédito.

Por meio da portabilidade, os correntistas podem levar para um banco com e juros menores as dívidas contraídas em outra instituição. Na prática, o banco escolhido antecipa os recursos para a liquidação dos débitos mais caros. Com a taxa, a troca de bancos pode se inviabilizar, dependendo dos valores das tarifas e do saldo devedor. Técnicos da Diretoria de Normas do BC garantem que não há como proibir essa cobrança, sob o risco de estimular o aumento dos juros dos empréstimos. Os mesmos técnicos dizem que a opção do BC foi por exigir que a cobrança e o valor da tarifa fossem explicitados nos contratos, de forma que os tomadores de empréstimos fiquem cientes desse custo e tenham a opção de escolher outro banco que não cobre tal taxa.

Segundo Evangelista, os abusos atingem até o direito que os consumidores têm de receber um extrato mensal da conta corrente. Como a lei não especifica a forma do extrato, os bancos dizem que o serviço sem tarifa só está disponível pela internet. Quem quiser as informações imprensas terá que pagar.

Há, ainda, a questão da Transferência Eletrônica (TED) para valores acima de R$ 5 mil, uma evolução do sistema, pois, em questão de minutos, o dinheiro transferido estará na conta do beneficiário. O problema é que muitos bancos estão cobrando um percentual sobre a TED. “Não há justificativa para isso, pois, independentemente do valor, a operação tem o mesmo custo”, assinala.
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–>Taxas criticadas
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Edna Simão
Da equipe do Correio

O taxista José Maria Neto, 66 anos, é aposentado, mas continua trabalhando para garantir o sustento da família. Cada centavo dos quase R$ 1 mil que fatura por mês é sagrado. Por isso, reclama cada vez mais do arrocho que leva na instituição na qual tem conta desde 1965. “Todos os dias o banco cria uma tarifa nova e com preços maiores”, diz. “É taxa para manutenção de conta, anuidade do cartão de crédito. Há coisas pelas quais pago que nem sei o que é, pois não me explicam”, reclama.

Não bastasse a gula do banco por tarifas, o taxista ainda reclama do péssimo atendimento da instituição. “Há fila para tudo. Se for reclamar de alguma coisa, tenho de entrar na fila. Acho que fazem isso para a gente desistir. Eu mesmo não posso ficar muito tempo numa agência, pois me faz falta um dia de trabalho”, ressalta. Nem empréstimo bancário José Maria quer. “Tenho até medo de me endividar. Além dos juros altos, o banco cobra um monte de tarifas, o que torna as prestações quase impagáveis”, afirma.

O vendedor autônomo Antonio Cunha, 52, é da mesma opinião. “Se há um setor que ganha dinheiro fácil, esse setor é o dos bancos. Eles cobram por tudo. E caro”, diz. Antonio. “Às vezes penso: se não houvesse risco de assalto, até deixaria meu dinheiro em casa, para não pagar tarifa ao banco”, frisa.

BC promete atendimento melhor

 principal canal de atendimento ao público usado pelo Banco Central para receber denúncias de abusos cometidos pelos bancos na cobrança de tarifas é o telefone. Mas, segundo João Evangelista de Souza Filho, chefe da divisão que se relaciona com os consumidores, o serviço está cada vez mais limitado. “Das pessoas que procuram o BC por meio desse sistema, 30% conseguem expressar seus problemas, mas 70% ficam sem atendimento”, afirma. A reduzida capacidade está relacionada às mudanças na estrutura de atendimento realizadas em 2005, que centralizou todo o serviço telefônico em Brasília. “Não estamos dando conta da demanda”, admite. Em 2005, 550 mil ligações foram captadas pelos sistemas do BC. Neste ano, serão apenas 200 mil.

Se os correntistas ficaram mais desprotegidos nesse período, o mesmo não se pode dizer dos bancos. Os balanços das 10 maiores instituições mostram que as receitas com intermediação financeira, nas quais se incluem as tarifas, aumentaram quase 12% entre 2005 e 2006, totalizando R$ 38,325 bilhões. Com esse dinheiro, os bancos não apenas pagaram todos os seus empregados, como usaram as sobras para engordar os lucros.

Sem entrar no mérito dos ganhos dos bancos, o secretário-executivo do BC, Sérgio Lima, garante que a instituição está atento às deficiências em seu atendimento e promete mudanças em breve para tornar o contato com os correntistas mais eficiente. “O BC está reestruturando a área de atendimento ao cidadão. A partir de julho, as ligações para denúncias e reclamações de irregularidades serão atendidas diretamente pela diretoria de Fiscalização”, afirma. A mudança, segundo ele, tem o objetivo de tornar mais dinâmica a apuração das queixas. A expectativa é de que, ainda na próxima semana, em reunião de diretoria, seja votado o projeto que aprovará a reestruturação.

Procurada pelo Correio, para comentar a forma como os bancos estão cobrando tarifas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), respondeu, por meio de nota oficial, “que não cabe à entidade opinar sobre a criação, manutenção ou extinção de serviços e respectivas tarifas, nem sobre os preços praticados pelas instituições financeiras”.

Os piores
Mensalmente, o Banco Central divulga as listas com as instituições financeiras campeãs de reclamação. É um forma que o BC encontrou para estimular os consumidores a escolherem melhor aonde vão movimentar seu dinheiro. Mas, apesar dos desgastes que tais rankings provocam, há um grupo de bancos que insiste em permanecer entre os que prestam os piores serviços à população. Dois deles são o Santander Banespa, há um ano o líder de reclamação entre as instituições com mais de 1 milhão de correntistas, e o GE Capital, no bloco dos bancos com menos de 1 milhão de clientes.

“Realmente, figurar na lista do BC é um fato que nos deixa em uma situação bastante deconfortável”, diz Paulo Pianez, superintendente de Satisfação e Retenção de Clientes do Santander Banespa. “Mas vamos reverter esse quadro nos próximos meses”, afirma. A promessa está baseada na criação de uma nova área, denominada “central de soluções”.

O superintendente Jurídico e de Compliance do GE Capital, Luís Fernando Queiroz, diz que a instituição está no ranking de reclamações do BC por uma regra que não reflete a realidade. O parâmetro do BC, destaca ele, leva em conta os clientes protegidos pelo Fundo Garantidor do Crédito (FGC), que cobre um determinado valor dos depósitos em conta corrente e em caderneta de poupança, no caso de quebra de um banco.

“Por esse critério, temos apenas oito clientes. Por isso, o índice nos coloca entre os líderes de reclamação”, afirma. “Na verdade, temos 1,047 milhão de clientes, mas em cartão de crédito e vários tipos de financiamentos. As 16 reclamações que, em média, têm chegado ao BC mensalmente representam muito pouco dentro desse universo”, acrescenta. (VN)

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