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Congresso reforça desigualdade há 30 anos e IR aperta classe média

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Raul Monteiro – POLÍTICA LIVRE

Quase todas as medidas tributárias propostas ou analisadas por parlamentares desde a Constituição de 1988 foram no sentido de aumentar a regressividade dos impostos ou criar isenções e regimes especiais para grupos específicos, agravando a desigualdade de renda no Brasil.

Nesse contexto, é a classe média que vem sendo espremida há mais de três décadas com o aumento da carga do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

A partir do fim da ditadura militar (1964-1985), o peso do IRPF diminuiu para quem está no topo da pirâmide, mas praticamente dobrou para os que ganham entre três e cinco vezes acima da renda média.

Dois estudos recentes jogam luz sobre esses dois movimentos a partir da Constituição de 1988, explicitando com dados como a injustiça tributária e a sobrecarga para a classe média caminharam juntas no Brasil.

Entre 1989 e 2020, os parlamentares propuseram ou analisaram 4.841 projetos, medidas provisórias ou propostas de emenda à Constituição na área tributária. Só 5% (247) dessas proposições foram progressivas, no sentido de tributar as camadas mais ricas ou aliviar as mais pobres (como na isenção a produtos da cesta básica).

Do total, 67,2% das propostas criavam deduções ou isenções do Imposto de Renda, do IPI ou regimes especiais para beneficiar grupos, setores produtivos específicos e municípios.

“De cada 100 proposições com mudanças tributárias, 67 buscaram beneficiar algum grupo, contribuindo para ampliar a desigualdade em vez de reduzi-la”, concluem Eduardo Lazzari, Marta Arretche e Rodrigo Mahlmeister em pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, da USP, com apoio da Samambaia Filantropias.

No período pós-ditadura, o Congresso brasileiro desenhou um modelo de ampla inclusão social baseado no aumento do gasto público. Mas não adotou a progressividade na tributação, e buscou cada vez mais recursos entre os mais pobres, com impostos sobre o consumo. Ao mesmo tempo, foi adotando, ano após ano, isenções para grupos específicos.

Os pesquisadores elencam algumas razões para o aumento da desigualdade via tributos:

1) Alta dependência de impostos sobre produtos e serviços, levando os pobres a pagar proporcionalmente mais, como percentual da renda, que os ricos (na última década, da carga tributária total, 30% vieram desses tributos, ante 10% na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que representam 60% do PIB global);

2) Pequena incidência de tributos sobre a propriedade, com só 5% da arrecadação gerada com impostos sobre veículos, transferências de patrimônio, doações e propriedades urbanas e rurais;

3) Baixa tributação, proporcionalmente, sobre a renda dos mais ricos via IRPF e brechas para converter altos salários em rendimentos de capital, com menor cobrança sobre pessoas jurídicas (levando à pejotização de profissionais com rendimentos mais altos).

Nos últimos anos, o Brasil também ampliou os incentivos fiscais a dezenas de grupos e setores, como à Zona Franca de Manaus e a entidades sem fins lucrativos. A partir de 2003, essas isenções praticamente dobraram, para cerca de 4% do PIB, chegando a mais de R$ 300 bilhões ao ano.

“Ao longo de todos esses anos, em todas as correntes políticas, deu-se um aumento de benefícios a determinados setores ou grupos que se comunicam com os parlamentares, dando-lhes vantagens eleitorais”, afirma Marta Arretche, do Departamento de Ciência Política da USP.

“Quem se beneficiou sabe quanto deixou de pagar [em impostos] e quem o favoreceu. Mas a conta é difusa para a sociedade, traduzindo-se em menos recursos para políticas sociais ou investimentos.”

No ano passado, o Ministério da Economia enviou ao Congresso projeto de lei (PL 2.337/2021) que elevava o limite de isenção para o IRPF (dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2.500) e instituía alíquota de 20% sobre lucros e dividendos, com piso de isenção de R$ 20 mil.

Considerada progressiva em termos tributários, mas bombardeada por mais de uma centena de associações empresariais, a proposta foi desidratada na Câmara e não prosperou no Senado.

Outro trabalho, do Made (centro de pesquisas sobre desigualdade da USP), mostra que, de 118 leis aprovadas que modificaram o IRPF entre 1947 e 2020, apenas 15% tinham como objetivo alegado alterar a distribuição de renda.

O levantamento revela também que, após a Constituição de 1988, diminuiu a diferença entre o quanto os mais ricos e a classe média pagam efetivamente em IRPF.

Em 1988, quem ganhava cerca de 15 vezes mais que a renda média no país pagava, efetivamente, 27,5% de IR. Hoje, recolhe menos: 25,3%.

Na contramão, quem recebia três vezes acima da renda média viu seu IR efetivo saltar de 8% para 16,6% —e de 13,2% para 21% entre os que ganham cinco vezes mais que a média.

A perda de progressividade tributária explicitada nesses percentuais não considera isenções, abatimentos e deduções, e pode ser ainda maior.

“Nas últimas décadas, a classe média acabou achatada em um ambiente tributário regressivo. Em relação à ditadura, ela paga hoje muito mais IR, o que explica um certo saudosismo de alguns em relação ao regime militar”, diz Nikolas Schiozer, autor do trabalho do Made-USP, realizado com João Marcolin, Isabella Bouza e João Pedro Leme.

Entre 1975 e 1976 (na ditadura), houve esforços para elevar a progressividade no IR como resposta às críticas de que o “milagre econômico” (1967 a 1973) fez o país crescer, mas aumentou a desigualdade.

“Na redemocratização, o assunto [redução da desigualdade via IRPF] desaparece da pauta e da lista de medidas aprovadas, mesmo nos governos do PT”, diz Schiozer.

Para Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, apesar do diagnóstico de que o sistema tributário está se tornando mais injusto e regressivo, a economia política tem ido no sentido de piorá-lo.

“Do ponto de vista do mérito, é difícil encontrar quem não defenda a progressividade tributária. Mas é sempre um debate antipático, porque ninguém gosta de pagar impostos”, afirma.

“A saída para aumentar a arrecadação tem sido tributar o consumo, alternativa mais ‘escondida’ do que onerar diretamente renda ou patrimônio.”

O resultado é que, proporcionalmente, quem ganha menos paga mais impostos —aumentando a regressividade tributária e a desigualdade

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