Brasil desfruta do melhor quadro econômico de sua história, apesar dos escândalos
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Paradoxo de Lula: bom desempenho da economia em meio à crise
Bernardo Gutiérrez
No Rio de Janeiro
No domingo, 6 de novembro, na primeira visita oficial de George W. Bush ao Brasil, Lula garantiu ao presidente americano que “a crise política e a corrupção não vão afetar o bom andamento da economia”. Disse isso sem pestanejar, com a segurança que dá ter um excelente quadro macroeconômico: a inflação controlada, as exportações a todo vapor e o real valorizado.
Se a visita tivesse sido em junho, quando começou uma interminável novela de corrupções, Lula teria tentado mudar de assunto. De fato, quando explodiu o famoso escândalo do “mensalão” (compra de votos de deputados com dinheiro público), a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) caiu 8,3% em uma semana, o real despencou 8,4% em um mês e o risco-país disparou.
Em pouco tempo, as águas voltaram a seu leito. As exportações não se abalaram. Continuaram no vertiginoso ritmo de 2004, quando o superávit foi de US$ 33,6 bilhões.
E, por enquanto, o superávit de 2005 já bate todos os recordes. As exportações somam até novembro US$ 98,6 bilhões (22% a mais que em 2004) e o saldo da balança comercial nos dez primeiros meses (US$ 37,2 bilhões a mais) já supera o de 2004. Caso se cumpram as previsões, o superávit alcançará US$ 42 bilhões este ano.
O mais inverossímil não é que a bonança de exportações esteja ignorando a tormenta e a instabilidade política. O mais inédito é que o real brasileiro se valorizou a níveis estratosféricos. Na última quarta-feira, o dólar registrou seu valor mínimo contra o real desde abril de 2001: R$ 2,179.
Em apenas uma semana o real se valorizou 4,9% contra o dólar. O euro, que terminou 2004 cotado a R$ 3,68, esta semana também atingiu o fundo: R$ 2,56. Alertado pelas associações de exportadores, que prevêem um futuro difícil devido à perda de competitividade de seus produtos, o Banco Central comprou divisas para amortecer a queda livre do dólar.
Como se fosse pouco, pela primeira vez na história o governo emitiu títulos da dívida externa em reais. O resultado foi excelente: o Tesouro captou R$ 3,4 bilhões e a moeda brasileira disparou. Esse fato, nas palavras de Joaquim Levy, secretário do Tesouro, “demonstra a confiança do investidor no Brasil”.
Lula está aproveitando a taxa de câmbio para pagar a dívida externa, a maior do mundo. Em 2004 alcançava US$ 219,8 bilhões, 52% do PIB. Se as previsões do Banco Central se cumprirem, a dívida terá sido reduzida no final de 2005 para US$ 190 bilhões. Como se fosse pouco, a inflação parece controlada. Graças a taxas de juros de 19%, está caminhando para atingir a meta do governo de 5,1% no final do ano.
Como se explica o paradoxo Lula? O fato de que uma interminável cadeia de corrupção não afete a economia?
O segredo da calma econômica em meio à tormenta tem nome e sobrenome: Antônio Palocci.
O brilhante ministro da Fazenda ganhou desde o início a confiança do empresariado com suas receitas moderadas. Tão moderadas que se multiplicam seus inimigos em seu próprio partido, como Dilma Rousseff, a todo-poderosa ministra da Casa Civil, que tachou de “ridículo” um novo ajuste fiscal pedido por Palocci.
Mas a valorização do real –e não a tormenta política– pode começar a cobrar seu preço. A produção industrial caiu 2% em setembro. Em outubro as exportações agropecuárias (um dos motores da economia) diminuíram 2,35% em relação a setembro. E um dado preocupante: a superfície cultivada em 2006 diminuirá 5%. A crise agrícola, segundo o ministro da Agricultura, é a “pior em 30 anos”, devido ao encarecimento de produtos de importação.
A expansão está servindo para combater a pobreza? Os programas Fome Zero e Bolsa Família (principal aposta do presidente para a erradicação da pobreza) parecem insuficientes.
Um relatório da organização internacional Social Watch coloca o Brasil em 94º lugar em uma classificação que avalia 163 países na área social, no nível do Congo ou Sudão.
Além disso, em 2003, quando o PIB registrou uma recessão de 0,2%, o número de milionários (mais de US$ 1 milhão líquidos) brasileiros aumentou 6%: de 75 mil passou para 80 mil. Nesse mesmo ano, o número de famílias que não podiam comprar a cesta básica de alimentos subiu para 27,26%, segundo a prestigiosa fundação Getúlio Vargas.