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Balanços sem efeito fiscal
Por Nelson Niero, Silvia Fregoni e Graziella Valenti, de São Paulo
Agora é para valer. A nova ordem contábil, inspirada em normas internacionais, pode finalmente entrar em vigor no Brasil sem traumas. A nova lei – 11.638 – foi aprovada no fim do ano passado, mas faltava a chancela da Receita Federal, que foi publicada ontem. A medida provisória 449 garantiu a "neutralidade fiscal", algo que vinha criando uma grande expectativa por parte das empresas. Em caso de mudança, é melhor ficar com o conhecido. |
Tecnicalidades à parte, o que a MP estabeleceu foi um sistema de separação amigável entre o contábil e o fiscal, uma reivindicação antiga dos contadores, que se ressentiam da interferência do Fisco sobre as demonstrações financeiras – cujo público principal são acionistas, investidores e todos os interessados em ter acesso a informações confiáveis sobre as companhias. |
Sem a mão da Receita, aumenta muito a chance de se ter dados mais próximos da realidade econômica. Um exemplo clássico é a depreciação de ativos: todos seguem as regras da Receita, apesar de haver distorções enormes que se refletem nos resultados. |
"O impacto é significativo, porque, no Brasil, contábil e fiscal andam juntos, ao contrário de outros países", diz Roberto Haddad, sócio da área de tributação internacional da KPMG. "Numa situação dessas, o que acaba valendo é o fiscal." |
A partir do balanço anual de 2008, que será divulgado até o fim de março do ano que vem, as empresas vão calcular o lucro com base nas novas regras – que ainda não serão as normas internacionais "puras" – e, a partir daí, farão adições ou exclusões para chegar ao resultado fiscal. A amortização de ágio, por exemplo, que muda com a nova lei, continua igual na prestação de contas ao Fisco. |
"A MP traz vários esclarecimentos sobre a lei contábil e dá uma certa tranqüilidade em relação à neutralidade fiscal", destaca Sérgio Bento, sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC). Para Paulo Aragão, sócio do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, a mensagem mais importante da medida provisória é que a Receita Federal cumpriu o prometido, de fazer com que a lei seja fiscalmente neutra. |
Embora fosse esperada, a neutralidade fiscal não parecia garantida. No primeiro teste da nova lei, que foi uma consulta feita à secretaria da Receita Federal no Rio Grande do Sul, em junho deste ano, os empresários tiveram um susto. Uma companhia do setor de calçados questionou se a consideração dos benefícios e incentivos governamentais no lucro, conforme manda a convergência contábil, traria obrigação de pagamento adicional de impostos. Eis que a Receita gaúcha respondeu que sim. Foi feita a confusão. Mas logo, o Fisco em Brasília suspendeu a liberdade das secretarias regionais para essas questões e abraçou oficialmente o debate. |
Agora, a MP eliminou as dúvidas sobre essa questão, entre outras. As subvenções fiscais, que aumentarão os lucros das companhias, estão protegidas de adicionarem tributos sobre os resultados. A companhia só será tributada – com Impostos de Renda e Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL) – sobre esses ganhos se decidir capitalizar o montante ou usá-lo como referência para distribuição de dividendos. Ou seja, se a companhia monetizar esse benefício. |
A idéia de inserir as subvenções ao resultado obedece ao princípio geral da contabilidade internacional de refletir a essência econômica do negócio e não apenas as notas fiscais das companhias. Ou seja, a existência desses benefícios adiciona valor ao negócio e isso deve ser percebido. Mas não pode ser transformado em dinheiro – só em competitividade. |
As empresas ficarão aliviadas com a confirmação da neutralidade fiscal da nova lei, o que compensa, em parte, o fato de que elas vão ter de gastar muito mais tempo para produzir seus informes financeiros e fiscais. "O trabalho burocrático, que já é enorme no Brasil, vai aumentar ainda mais", diz Haddad, da KPMG. |
Para Ariovaldo dos Santos, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), a medida foi eficiente. Segundo ele, não apenas garantiu a ausência de impactos fiscais, conforme esperado, como também corrigiu alguns aspectos que a própria Lei 11.638 deveria ter tratado. |
É importante destacar que esse resultado deve-se ao trabalho de bastidor realizado na construção da MP, que passou pelas mãos de diversos agentes tecnicamente envolvidos com o processo de convergência contábil no Brasil. |
Cláudia Pimentel, chefe da coordenação geral de tributos da Receita Federal, garantiu que a MP 449 "não traz mudanças sobre o que já foi exaustivamente discutido com representantes do setor privado". |
Havia grande ansiedade das companhias sobre essa MP. Para o balanço de 2008 sair já com as normas emitidas ao longo deste ano pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em conjunto com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), só faltava a medida. O cronograma de convergência das normas previsto para este ano foi cumprido com a emissão de 16 regras contábeis. Para 2009, estão previstas outras 18 para a convergência completa. |
Apesar da tranqüilidade atual, a segurança não é completa, segundo Sérgio Bento, da PwC. A MP diz que ainda será editada uma nova lei para disciplinar os efeitos tributários dos novos critérios contábeis, buscando a neutralidade fiscal. "Mas por que é necessária uma nova lei se essa já garante o efeito nulo? Fica uma expectativa sobre o que virá", afirma. |
Santos, da Fipecafi, defende que, quando a MP for ao Congresso para a formulação da nova lei, será uma oportunidade para se retomar o debate a respeito da publicidade dos balanços das companhias fechadas. A Lei 11.638 determina que as empresas com faturamento anual acima de R$ 300 milhões ou ativos totais superiores a R$ 240 milhões auditem seus dados. Depois de sete anos de tramitação, na última hora, porém, foi retirada a parte que obrigava a divulgação do balanço auditado. O professor da Fipecafi e acadêmico atuante nesse processo acredita que será momento de corrigir esse problema da lei contábil aprovada no fim do ano passado. |
Enquanto os grandes temas como esse ainda não foram tratados na MP, questões técnicas de contabilidade foram corrigidas. A medida provisória fez mudanças pontuais necessárias e alinhadas ao processo de convergência, como a transformação da conta de ativos diferidos, do balanço patrimonial, em intangíveis. É nela, por exemplo, que se encontram os saldos de ágio (prêmios pagos em aquisições por expectativa de rentabilidade futura dos negócios). As companhias podem respirar aliviadas, pois o benefício fiscal desses pagamentos estão garantidos. |
A MP também tornou as notas explicativas dos balanços das empresas mais genéricas, segundo Sérgio Bento, da PwC. "A medida está alinhada ao novo método contábil, que traça princípios e diretrizes, enquanto a lei em vigor até agora indicava exatamente as notas necessárias", diz. |
Para Paulo Aragão, um dos destaques da MP é o maior nível de delegação de funções à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de capitais brasileiro. As regras sobre os processos de fusões e aquisições de empresas passaram a ser de responsabilidade da autarquia. "É uma tendência moderna de não incluir aspectos contábeis muito detalhados na lei", afirma o advogado. O tema deverá ser regulamentado pela CVM, por meio da homologação das propostas do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). |
(Colaborou Arnaldo Galvão, de Brasília) |