As mudanças do IRPF
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Livre dos obstáculos que teria de enfrentar se Jorge Rachid ainda estivesse à frente da Receita Federal, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já pediu à nova secretária da Receita, Lina Maria Vieira, estudos para mudar as regras do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Ele quer propor ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o aumento do número de alíquotas.
As declarações dos membros do governo sobre o tema são nebulosas. Não se sabe se a alíquota máxima será aumentada. Porém, o argumento com que se justifica as mudanças sugere que haverá aumento da carga tributária. Segundo explicou a secretária ao jornal Folha de S.Paulo, o objetivo é tornar o Imposto de Renda mais progressivo, isto é, os contribuintes com renda mais alta pagariam proporcionalmente mais.
Atualmente, além da faixa de isenção, a Tabela do IRPF tem só duas alíquotas, de 15% e 27,5%. A mais alta era de 25% e foi elevada para 27,5% em caráter temporário, mas a mudança se tornou permanente. Uma alteração benéfica para a maioria dos contribuintes seria a criação de alíquotas intermediárias, além da redução das alíquotas mínima e máxima (esta para 25%). Tal alteração atenderia ao princípio da progressividade, sem aumentar a taxação das rendas mais altas.
O aumento da progressividade é tese muito cara aos petistas. Utilizam a expressão “justiça tributária” como argumento em favor da tese. É um argumento correto, mas ele não pode se transformar em pretexto para decisões que imponham danos aos contribuintes e à economia. É preciso ser justo na administração da “justiça tributária”. Tributo excessivo desestimula a poupança, inibe os investimentos e afugenta o capital indispensável ao crescimento.
Mesmo sem esclarecer se é a favor de tributação maior para as rendas mais altas, a secretária Lina Vieira recorreu à “justiça tributária” para defender, na entrevista citada, o aumento do número de alíquotas. “Se estamos aí para fazer justiça fiscal, essa (a criação de mais alíquotas para o IRPF) é uma justiça que tem de ser feita.” E não deixou de observar que, em outros países, “há um alargamento dessas alíquotas”, ou seja, elas são bem maiores.
Rachid, que chefiou a Receita do início do primeiro mandato de Lula até a semana passada, resistia às pressões de outros membros do governo para o aumento do número de alíquotas, alegando que, para o Fisco e para os contribuintes, o sistema em vigor é mais simples do que o baseado em muitas alíquotas. Além disso, os números da arrecadação – que no governo Lula vem crescendo a um ritmo muito mais intenso do que o da atividade econômica, o que resulta no aumento constante da carga tributária – eram um argumento financeiro forte o suficiente para rejeitar a mudança.
Entre os membros do governo, pelo menos um defende de maneira explícita o aumento da alíquota máxima do IRPF. É o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann. Na mais recente edição da revista Desafios do Desenvolvimento, publicada pelo Ipea, Pochmann observou, sobre as atuais alíquotas do Imposto de Renda, que “a primeira faixa é alta e a última, baixa”. “A experiência internacional de países que atuam para dar mais justiça tributária indica que o modelo é ter mais faixas com menos tributação nas rendas menores e mais carga nos níveis mais abastados, perto dos 40% ou 50%”, disse.
De fato, há países que taxam pesadamente as rendas mais altas, mas, neles, a renda média é muito mais elevada do que no Brasil, a população idosa é proporcionalmente maior e, sobretudo, os sistemas públicos de saúde, previdência e assistência social funcionam muito melhor. A tributação é pesada, mas, ao contrário do que ocorre no Brasil, nesses países há a contrapartida da oferta de serviços públicos de qualidade.
Pochmann propõe ainda a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, um tributo tão ruim que nem mesmo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil o defende. Como o aumento da progressividade nas dimensões propostas por Pochmann, esse tributo só agrada aos que, como parece ser o caso dele, ainda vêem a riqueza como uma nódoa moral, não como fator de progresso.