Aposentadoria espontânea e multa do FGTS
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A Lei nº 9.528, de 1997, acrescentou os parágrafos 1º e 2º ao artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O parágrafo 2º do referido artigo consolidado versava sobre a aposentadoria espontânea, estabelecendo que a concessão deste tipo de benefício importava em extinção do vínculo empregatício. A eficácia do quanto disciplinado neste dispositivo de lei implicou em discussões judiciais na esfera trabalhista, especificamente no que se refere ao pagamento da multa de 40% sobre os depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Assim, na hipótese de o empregado manter o vínculo empregatício com a empresa, após a concessão da aposentadoria espontânea, quando da rescisão contratual definitiva, seria devida a multa de 40% do FGTS sobre todos os depósitos realizados durante todo o contrato de trabalho ou somente sobre os depósitos realizados após a concessão do benefício previdenciário? |
Para pacificar esta questão, em 8 de novembro de 2000 o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Orientação Jurisprudencial nº 177, que previa a extinção do contrato de trabalho no ato da concessão da aposentadoria espontânea, restando indevida a multa rescisória de 40% sobre os depósitos do FGTS referentes ao período laborado antes da concessão do benefício previdenciário. |
Antes mesmo do pronunciamento do TST acerca desta questão, entidades representativas dos trabalhadores, promoveram uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF), autuada sob o número 1.721, na qual pretendiam a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 453 da CLT, sob o argumento de que "mais uma modalidade de extinção do contrato de trabalho, estabelece uma verdadeira incompatibilidade entre o benefício previdenciário e a continuidade do vínculo de emprego, em total desarmonia com o texto maior". |
Em provimento cautelar, o Supremo, primeiramente, suspendeu a eficácia do referido parágrafo do artigo 453, e depois, em 11 de outubro de 2006, através do voto do ministro Carlos Ayres Britto, relator do caso na corte, julgou a Adin procedente, declarando inconstitucional o referido dispositivo legal, com o seguinte comentário: "Nessa ampla moldura, deduzo que uma proposição em contrário levaria à perpetração de muito mais desrespeito à Constituição do que prestígio para ela. Quero dizer, o que se ganharia com a tese contrária seria suplantado, de muito, pelas perdas infligidas ao sistema de comandos da Constituição-cidadã, a significar, então, postura interpretativa oposta à preconizada pelo chamado princípio da proporcionalidade em sentido estrito". |
Após o cancelamento da orientação, o TST proferiu decisões que estabelecem a continuidade do contrato de trabalho |
A procedência da Adin ensejou um conflito no ordenamento jurídico brasileiro, considerando que a Orientação Jurisprudencial nº 177 do TST estabelecia que a concessão da aposentadoria implicava na extinção do contrato de trabalho, enquanto que a decisão do Supremo decidiu o contrário, ou seja, a concessão da aposentadoria não extinguiria o contrato de trabalho. |
Para solucionar o desencontro surgido entre a decisão do Supremo e a orientação do TST, o tribunal pleno deste último, em 25 de outubro de 2006 cancelou a referida orientação. Contudo, esta questão ainda não está pacificada nos tribunais trabalhistas. O ministro Rider Nogueira de Brito, presidente do TST, previu essa situação em um pronunciamento feito por ocasião do cancelamento da referida orientação jurisprudencial: "Uma vez cancelada a orientação jurisprudencial, cada ministro decidirá como achar por bem, até que a corte possa encontrar novamente um denominador comum a respeito do tema. A jurisprudência deverá flutuar até que novamente encontre o seu caminho definitivo, em que a maioria se expresse em determinado sentido, para que nós, se for o caso, voltemos a aprovar algo a respeito deste tema". |
Após o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 177 foram proferidas diversas decisões pelo TST. As últimas estabelecem a continuidade do contrato de trabalho – ou seja, sem extinção do contrato de trabalho decorrente da concessão de aposentadoria espontânea, é devido, pelo empregador, o pagamento de 40% sobre todos os depósitos efetuados no FGTS. Em contrapartida, há decisões que estabelecem a extinção contratual em função da concessão da aposentadoria espontânea, sendo devido o pagamento da multa de 40% apenas sobre os depósitos do FGTS referentes ao período laborado após a concessão do referido benefício. |
É importante ressaltar que algumas das decisões no sentido da continuidade do contrato de trabalho foram proferidas pelo órgão máximo de deliberação do TST, o que pode demonstrar uma tendência interpretativa de que a multa de 40% do FGTS deve ser calculada sobre todos os depósitos efetuados durante o contrato de trabalho, independentemente da concessão da aposentadoria espontânea. |
Ângela Moraes Rodrigues de Jesus é advogada, sócia do escritório Araújo e Policastro Advogados e membro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo e da comissão trabalhista e previdenciária do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) |
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