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A tributação dos provedores de voz em IP

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Por Marcos André Vinhas Catão

Não é desconhecido o fato de que o setor de telecomunicações é um dos segmentos de atividade econômica que mais padecem com a elevadíssima carga tributária brasileira. No que se refere à tributação incidente sobre o consumo, a carga fiscal nas telecomunicações ultrapassa, em alguns Estados brasileiros, o percentual de 50%. É, de fato, a maior carga tributária do mundo sobre o setor de telecomunicações.

Em paralelo, também não é desconhecido o fato de que a oferta de serviços de telecomunicações através da internet (voz em IP) por empresas internacionais (não-residentes) a consumidores brasileiros (pessoas físicas ou jurídicas) vêm se constituindo em um meio alternativo na prestação do serviço. Aqui, ante uma certa passividade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em regular a atuação dessas operadoras internacionais, frutifica um ambiente propício a uma atuação desconforme às operadoras brasileiras, consubstanciada na falta de pagamento de tributos.

Sob esse contexto cabem duas indagações: (1) É razoável que tais empresas sejam submetidas à tributação brasileira, quando aqui prestam serviços a residentes brasileiros? Caso positiva a resposta acima, caberia então indagar: (2) Como implementar um modelo de tributação eficaz no Brasil, em especial no que se refere à contratação feita por pessoas físicas, em geral através da utilização de cartões de crédito, junto ao website da operadora internacional?

Para elucidarmos a questão, vale uma menção ao exemplo da União Européia, sem prejuízo de uma solução doméstica. Na União Européia, a solução encontrada está baseada em dois pontos, conforme prevê a Diretiva nº 2002/38/CE. No caso de pessoas jurídicas que sejam contribuintes de seus respectivos países, estão as empresas européias obrigadas a realizar a reversão tributária. Ou seja, a responsabilidade pelo recolhimento passa a ser da empresa européia que contrata serviços de um prestador situado fora da zona euro. Mas no caso das pessoas físicas, a questão se torna mais complexa, e, nesse âmago, a solução tem sido a de pressionar os prestadores a efetuar o pagamento do tributo como se contribuintes locais fossem.

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Na União Européia, a solução encontrada está baseada em dois pontos, conforme prevê a Diretiva nº 2002/38/CE

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Tome-se um exemplo análogo, qual seja o da venda de música digital (iTunes, Real One etc.) por download. Ante o crescimento dessa modalidade de comércio eletrônico, a União Européia pressionou os principais ofertantes desses serviços a recolherem o IVA, de acordo com o domínio do adquirente de cada país da Europa. Ou seja, independentemente da presença física em cada país da Europa, as empresas que efetuam a venda de música pela internet estão obrigados a recolher o IVA, em igualdade de condições com prestadores que estejam em território europeu, sob pena de intervenção estatal.

No Brasil, a ausência de um tipo de coordenação que imponha uma pressão da mesma natureza sobre operadoras internacionais leva-nos a crer que uma alternativa, no caso de pessoas físicas, seria a de se atribuir às administradoras de cartão de crédito a atribuição de pagamento dos tributos mediante débito na conta do cartão, em especial no que se refere ao ICMS.

Eventual argumentação contrária, baseada no fato de que as administradoras não estão vinculadas ao fato gerador – conforme o artigo 128 do Código Tributário Nacional (CTN) – e, por conseguinte, não poderiam ser responsáveis tributárias, poderia ser contra feita com a possibilidade de se atribuir às administradoras de cartão uma delegação de arrecadação, baseada no artigo 7º do CTN.

Essa atribuição de delegação faria com que a quitação do tributo fosse simplificada, sem a necessidade de um regime de apuração, a exemplo do que ocorre, “mutatis mutandis”, com o IOF sobre compras no exterior. Evitar-se-ia assim transferir para as administradoras – não contribuintes do ICMS – a necessidade de escriturar livros ou de cumprir obrigações acessórias mais complexas. Desde uma ótica das administradoras, dito encargo seria compensado pela remuneração entre o lançamento na conta do cartão e o prazo de pagamento do tributo (floating).

Por suposto que o delineamento dessa forma de quitação do crédito tributário teria que ser atrelada à regulamentação fiscal específica, sem prejuízo das garantias em caso de cobrança indevida. Tais cuidados, entretanto, não subtraem a urgência quanto à implementação de uma medida que visaria corrigir a grave distorção hoje existente, ante a atuação imune de operadoras internacionais em comparação com empresas brasileiras de telecomunicações que operam sob o regime de concessão ou de autorização.

Marcos André Vinhas Catão é professor de direito financeiro e tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Vinhas Advogados

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