A nova Lei Contábil
Publicado em:
Fernando Albino

As exigências internacionais aprimoram controles internos e as práticas de uma boa e salutar governança corporativa
No mês de dezembro do ano passado foi publicada a Lei nº 11.638, que alterou uma série de dispositivos da lei de sociedade por ações (Lei nº 6.404/76), todos relativos às obrigações contábeis das companhias. O evento se reveste de fundamental importância para a inserção do País nas regras internacionais sobre a matéria, que procuram assegurar o máximo possível de transparência para as demonstrações financeiras das empresas aqui instaladas.
As alterações levadas a efeito foram muitas e variadas e merecem por parte dos empresários uma atenção especial para que suas companhias tenham tempo suficiente para a elas se adequarem. Note-se que aplicação da lei se estende para o que foi por ela designado de “sociedades de grande porte”, isto é, aquelas que tenham receitas brutas anuais maiores do que 300 milhões de reais ou que possuam ativos superiores a 240 milhões de reais, ainda que sejam sociedades anônimas de capital fechado ou mesmo sociedades limitadas. Nesse particular, a intenção do legislador foi a de estabelecer parâmetros de comparação consistentes entre empresas, independentemente da forma jurídica que venham a adotar, desde que alcancem uma dimensão razoável para os seus negócios. Portanto, já a partir de 2008 essas sociedades estão obrigadas ao cumprimento das determinações da lei.
Para as sociedades abertas com os seus valores mobiliários admitidos à cotação em bolsas de valores ou ao mercado de balcão organizado, as suas demonstrações financeiras consolidadas, a partir de 2010, em comparação com as de 2009, deverão seguir o padrão internacional imposto pela lei, que se aproxima das práticas de contabilidade do chamado IFRS, sigla para a denominação do padrão internacional utilizado para as demonstrações financeiras (International Financial Reporting Standards).
Ao longo do ano de 2008, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deverá editar instruções sobre a natureza das adaptações e a velocidade de sua implementação. A autarquia já indicou, entretanto, que as ITRS relativas ao exercício de 2008 (“Informações Trimestrais”) não estão obrigadas a seguir as mudanças determinadas pela lei, o que confere tempo maior para as companhias, que reclamaram do curto período previsto para realizarem as adaptações requeridas.
A lei prevê a possibilidade da celebração de convênios entre a CVM, o Banco Central e outras agências reguladoras para a regulamentação de vários de seus dispositivos. Na prática, essas regras deverão surgir de discussões técnicas que venham a ocorrer no Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), órgão especializado para o qual confluem os especialistas na matéria e que agora se vê revestido de uma competência de auto-regulação, ainda que subordinada à própria CVM e ao Banco Central.
Dentre as inúmeras alterações promovidas pela nova lei, algumas merecem destaque especial pela sua relevância. A primeira delas diz respeito à nítida separação entre a demonstração de natureza contábil e aquela que visa a atender prescrições de caráter fiscal.
Desde há muito tempo, o direito societário estava a reclamar a introdução dessa diferenciação.
Como a legislação tributária brasileira é extremamente complexa e burocrática, a escrituração de certos eventos acabava sucumbindo aos ditames do fisco, nem sempre refletindo de maneira adequada a realidade econômico-financeira subjacente que recomendaria uma contabilização diferente.
O exemplo mais típico dessa situação é o do arrendamento mercantil, subjugado ao longo do tempo às exigências fiscais, quando comportaria uma exegese muito mais profunda, por vezes, para refletir nas demonstrações contábeis todas as suas conseqüências para a companhia. Assim como ele, o tratamento do estoque, os reflexos de incentivos fiscais, a escrituração da reavaliação de ativos, as conseqüências de variações cambiais e o próprio método da equivalência patrimonial para controladas e coligadas.
Outra mudança importante foi a da revogação dos itens “c” e “d” do parágrafo primeiro do artigo 182 da Lei nº 6.404/76 que permitiam que prêmios recebidos na emissão de debêntures e doações e subvenções para investimentos fossem considerados reservas de capital em conta de patrimônio líquido com o correspondente pagamento de dividendos.
A nova lei determina que tais receitas transitem pela conta de resultado, o que delas retira a possibilidade de um tratamento à parte, que realmente não fazia sentido.
Outra alteração importante foi a da substituição da Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos pela Demonstração dos Fluxos de Caixa, com o que a geração de caixa advinda do próprio negócio fica mais evidente e recebe um tratamento mais técnico. A essa mudança, e na mesma linha de busca da transparência, deve-se ressaltar a inclusão da Demonstração do Valor Adicionado, que procura informar sobre a agregação de valor ao negócio. Da mesma forma, a introdução do conceito de “ajuste a valor presente” para as operações ativas e passivas de longo prazo e para aquelas que sejam relevantes mesmo que de curto prazo.
Como se vê, foram várias as alterações. As vantagens da lei resultam evidentes. As companhias brasileiras têm um instrumental de adaptação a padrões internacionais antes inexistentes, o que lhes confere maior transparência e credibilidade perante a comunidade internacional de investidores.
De outro lado, o cumprimento de exigências internacionais aprimora os controles internos e as práticas de uma boa e salutar governança corporativa, o que beneficia os acionistas e o próprio mercado. Por último, o alargamento do rol de empresas submetidas à nova legislação facilita padrões de comparação entre elas em caso de análise de um determinado segmento econômico e para operações de fusão e aquisição.