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A isenção da Cofins e a lei complementar

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Por Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli

Com a publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as isenções previstas na Lei Complementar n° 70, de 1991, é importante destacar o porquê optou-se por este tipo de lei. Durante a Constituição Federal de 1967/1969, o Supremo entendia que as contribuições tinham natureza tributária. Essa posição foi alterada após a Emenda à Constituição n° 8, de 1977, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 100.790/SP. Tal orientação permaneceu até a Constituição Federal de 1988, quando nova interpretação foi dada às contribuições sociais, enquadrando-as no perfil tributário típico dos demais tributos.

Consoante esta interpretação, em tese as contribuições sociais deveriam sujeitar-se à lei complementar para tratar dos respectivos fatos geradores, sujeitos passivos etc., como previsto na alínea “a” do inciso III do artigo 146 da Constituição de 1988.

Esta tese não foi acolhida pelo Supremo quando analisada a constitucionalidade da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), regulada pela Medida Provisória n° 22, de 1988, convertida na Lei n° 7.689, de 1988. No julgamento do Recurso Extraordinário n° 138.284/CE, de 1° de julho de 1992, cujo acórdão foi publicado em 28 de agosto de 1992, o Supremo firmou a orientação de que após a Constituição de 1988 as contribuições sociais teriam voltado ao regime jurídico atribuído aos demais tributos, porém isso não representava, necessariamente, sua subordinação à lei complementar. Nos casos das contribuições previstas no artigo 195 da Constituição, o Supremo entendeu que bastaria a edição de lei ordinária, posto que à complementar deveriam ser submetidas apenas as contribuições residuais, fixadas no inciso I do artigo 154.

Mas, frise-se, a consolidação desta orientação ocorreu apenas em 1° de julho de 1992 e este dado é fundamental para se entender o porquê da Lei Complementar n° 70. Ora, até este julgamento inexistia no cenário jurídico nacional, e principalmente no Judiciário, certeza a respeito da necessidade ou não da edição de uma lei complementar para regular as contribuições sociais. Foi exatamente esta incerteza que motivou a Lei Complementar n° 70, publicada em 31 de dezembro de 1991, resultado da aprovação do Projeto de Lei n° 91, de autoria do governo federal.

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Somente a partir de 1° de julho de 1992 há orientação firme sobre a desnecessidade de lei complementar

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Frise-se que o julgamento da CSLL ocorreu em 1° de julho de 1992 e a publicação da Lei Complementar n° 70 deu-se em 31 de dezembro de 1991. Portanto, exatamente seis meses antes de o Supremo firmar o entendimento de que as contribuições sociais não exigiriam lei complementar para validar sua exigência. Note-se também que a própria pacificação a respeito da validade ou não da contribuição ao Finsocial, ao tempo de vigência da Constituição de 1988, somente se deu no julgamento do Recurso Extraordinário n° 150.764/PE, ocorrido em 16 de dezembro de 1992, cujo acórdão foi publicado em 2 de abril de 1993.

Vê-se, assim, o porquê da Lei Complementar n° 70. Dada a inexistência de um posicionamento assente do Supremo, o governo não quis correr riscos de a Cofins vir a ser invalidada por um eventual vício formal do seu processo legislativo. Apresentou, assim, um projeto de lei e direcionou a votação no Congresso Nacional para que a sua aprovação se desse dentro do regime próprio das leis complementares.

A interpretação histórica é suficiente para demonstrar a improcedência do argumento que sustenta ser ordinária a Lei Complementar n° 70, o que permitiria a sua modificação por leis de mesma hierarquia. Foi exatamente a incerteza do cenário jurídico da época que motivou o Executivo a propor o respectivo projeto de lei complementar, pretendendo, com isso, dar maior legitimidade à sua aprovação, na medida em que contaria com o quórum qualificado do Congresso. Tanto é assim que a exposição de motivos da lei complementar, publicada no diário do Congresso de 15 de janeiro de 1992, contém o seguinte texto: “Excelentíssimo senhor presidente da República: Tenho a honra de submeter à elevada consideração de vossa excelência o anexo projeto de lei complementar que institui a contribuição social incidente sobre o faturamento para o financiamento da seguridade na forma prevista no artigo 195 da Constituição. As controvérsias presentes a respeito da legalidade e até da constitucionalidade da cobrança da contribuição ao Finsocial têm provocado um sem número de ações judiciais em torno da questão, provocando o congestionamento do Poder Judiciário, a intranqüilidade do contribuinte e, ultimamente, vertiginosa queda de sua arrecadação.”

Constata-se, assim, que somente a partir de 1° de julho de 1992 há orientação firme sobre a desnecessidade de lei complementar para as contribuições sociais. O quadro histórico refuta a afirmação de que houve excesso de zelo ao propor tal projeto de lei complementar. Não houve excesso algum, mas sim evidente preocupação fundada nas circunstâncias da época que exigiam quórum qualificado, para reforçar a validade da Lei Complementar n° 70. Trata-se de projeto motivado e intencionalmente ratificado pelo Congresso para obstar eventuais questionamentos da legislação. Como alegar, então, que a lei complementar seria ordinária quando tais acontecimentos demonstram o contrário? E não se alegue que a interpretação histórica não seja o método adequado para amparar este argumento, porque ao mesmo recorre o próprio Supremo para embasar vários de seus julgamentos.

Justificado está o porquê a Lei Complementar n° 70 é, realmente, de nível complementar, posto que, de fato, originada de quórum qualificado do Congresso , necessário à época de sua aprovação. Não há, portanto, como dar-lhe contornos de lei ordinária.

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli é advogado, sócio do escritório Fleury, Favero e Panebianco Advogados e Consultores e juiz do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo