A inconstitucionalidade do “FUNRURAL” após a EC 20/98
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Dâmares Ferreira
Introdução
No presente trabalho, preliminarmente, será apresentado a forma pela qual se organiza o ordenamento jurídico positivo, o elemento unificador deste conjunto, bem como os instrumentos e os critérios por meio dos quais se mantém a unidade e coerência do mesmo.
Posteriormente, descrever-se-á a evolução da tributação do empregador rural pessoa natural para fins de custeio da seguridade social com o fito de, ao final, demonstrar que exação ora vigente, prevista no art. 25, da Lei n. 8.212/91 nasceu inconstitucional com a publicação da Lei n. 8.540/92 e assim permanece até a presente data, mesmo após várias alterações legislativas.
1. Direito Positivo. Noção de Sistema.
Segundo Immanuel Kant, um sistema é uma unidade de múltiplos conhecimentos reunidos sob uma única idéia. O filósofo condicionou a noção de sistema à subordinação a um princípio fundamental, retirando deste a unidade do conjunto. A lição kantiana afirma que um sistema é um todo articulado (articulatio) e finalisticamente organizado e não apenas um amontoado (coacervatio) de partes(1) . Para este pensador, o todo não seria a soma das partes, mas as precederia de algum modo, "não permitindo composição e decomposição sem perda da unidade central, distinguindo o sistema da mera agregação"(2) .
Na mesma linha, o pensamento de Paulo de Barros Carvalho: "Surpreendido em seu significado de base, o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema"(3) .
Também no mesmo sentido, para o professor Marcelo Neves a palavra sistema significa o conjunto de elementos (partes) unidos em relações recíprocas que forma um todo unitário. Este autor pondera que todo sistema implica elementos, relações e também unidade, que, no caso do sistema proposicional decorre de uma fundamentação unitária, ou seja, da noção de que todo conteúdo estará, por fundamentação, em conexão direta ou indireta com qualquer outro conteúdo(4) .
Partindo desses pressupostos, diz-se que o Direito Positivo forma um sistema. Sob o ponto de vista da estrutura formal, as normas jurídicas são ordenadas num sentido vertical de subordinação e derivação. As superiores funcionam como fundamento de validade das que lhes são imediatamente inferiores, e estas se espelham naquelas. No sentido horizontal, as normas jurídicas relacionam-se coordenadamente umas com as outras, formando uma teia, entrelaçada e complementar, de sentidos. A Constituição Federal ocupa o ápice deste sistema positivo e confere unidade ao mesmo.
2. Rigidez constitucional. Teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico. Relação de subordinação e derivação entre as normas jurídicas. Noções sobre existência, vigência, eficácia e validade das normas jurídicas.
A Constituição Federal de 1988 é das do tipo rígido. Desta natureza decorrem dois pressupostos: a) a norma constitucional ocupa a mais alta posição hierárquica no ordenamento jurídico; b) as normas infra-constitucionais são objeto de controle e fiscalização tendo por parâmetro o conteúdo prescrito nas normas constitucionais.
Na lição de Merlin Cléve: "A rigidez constitucional autoriza a emergência da distinção entre a obra do Constituinte e a obra do Legislador. A segunda, encontrando o seu parâmetro de validade na primeira, não pode, quer sobre o prisma material, quer sob o prisma formal, ignorá-la. Existe, bem por isso, uma relação hierárquica (relação de fundamentação/derivação) necessária entre ambas."(5) .
As noções de hierarquia(6) e derivação também funcionam como bases para a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, desenvolvida por Hans Kelsen(7) e aceita por Norberto Bobbio(8) , na qual se defende: "As normas de um ordenamento são dispostas em ordem hierárquica" e observam os processos de produção – execução ou de subordinação – derivação. A este respeito leciona Paulo de Barros Carvalho: as normas constitucionais subordinam as normas inferiores, devendo "a norma subordinada colher na compostura semiológica da norma subordinante o núcleo do assunto sobre o qual pretende dispor"(9) .
Para criar uma lei válida, o legislador precisa observar os ditames formais e materiais constantes da Constituição Federal. O órgão legiferante deverá ter competência para cuidar da matéria a ser regulada, deverá seguir o procedimento legislativo pertinente ao veículo que pretender criar, e, obedecer aos delineamentos materiais relativos ao objeto legislado constantes da Constituição.
Da relação de adequação do produto legislado ao conteúdo material prescrito na Constituição decorre a constitucionalidade material(10) ; da relação de adequação entre o mesmo produto e a competência do órgão para produzi-lo, bem como a eleição do procedimento e da forma adotados para tanto, decorre a constitucionalidade formal(11) .
Segundo Guastini, "a identificação de um vício formal requer a comparação entre um certo comportamento (o comportamento do ‘legislador’) e certas normas. A lei é válida se essas normas de conduta foram observadas (ou seja, se o comportamento do ‘legislador’ foi de acordo com elas); a lei é inválida se essas mesmas normas foram violadas (ou seja, se o comportamento do ‘legislador’ foi diferente delas)."(12) . Para identificar um vício material, ensina o autor, é preciso "comparar entre si duas normas – uma norma constitucional e uma norma legislativa – de modo a decidir se tais normas são compatíveis ou incompatíveis entre si. Aqui não se trata de um comportamento que viola uma norma, mas sim de uma norma que é incompatível com uma outra"(13) .
A lei criada em descompasso com os requisitos constitucionais formais e materiais é inválida.
Note-se que as noções de validade, de existência, de vigência e de eficácia da norma jurídica não se confundem. Para que uma norma jurídica exista é necessário que ela seja criada, i.é., formulada, promulgada e publicada. A seguir, para que tal norma vija, via de regra, faz-se mister aguardar um período denominado vacatio legis, tal como previsto no art. 1º, da LICC e no art.8º, da Lei Complementar n. 95/98(14) . Após o transcurso temporal retro referido, a norma jurídica terá eficácia jurídica, i.é, a capacidade para produzir efeitos jurídicos. Se esta norma for efetivamente aplicada e dela nascerem relações jurídicas, dir-se-á que a mesma possui eficácia social. Até aqui ainda não se falou em validade, e isso porque tanto as normas válidas quanto as inválidas possuem os atributos da existência, da vigência e das eficácias jurídica e social.
Já quanto à validade, segundo Robert Alexy "se diz que uma norma é juridicamente válida se foi promulgada por um órgão competente para tanto, segundo a forma prevista, e se não infringe um direito superior; resumindo: se foi estabelecida conforme o ordenamento"(15) .
Sobre o assunto, Marcelo Neves considera: "os sistemas jurídicos, construídos e desenvolvidos através de processos políticos e técnicos de produção-aplicação normativa, caracterizam-se por uma nítida distinção entre pertinência e validade. Aqui, há analogia com a distinção de Pontes de Miranda entre existência e validade dos atos jurídicos, também aplicada às normas jurídicas. A ‘existência’ de um ato ou norma jurídica, segundo Pontes de Miranda, constitui-se por sua entrada no mundo jurídico, podendo isto ocorrer regular ou irregularmente. Quando o ato jurídico ou a norma jurídica entra defeituosamente no ‘mundo jurídico’, há ‘existência’ sem validade. Portanto, distinguem-se os planos da ‘existência’ e da validade. Os atos e normas jurídicas são válidos quando produzidos regularmente pelos agentes do sistema (órgãos em sentido estrito ou particulares). A invalidade resulta da integração ao ‘mundo jurídico’ de atos e normas produzidos defeituosamente pelos agentes do sistema".(16)
No mesmo sentido a lição de Ricardo Guastini: "a ‘existência’ é condição suficiente de aplicação das normas, quer dizer, até as normas inválidas (em sentido forte) são suscetíveis de aplicação: ao menos enquanto a sua invalidade não for constitutivamente declarada por um órgão competente para isso"(17) .
O destino de uma lei inferior inválida, por inobservância dos preceitos constitucionais materiais e/ou formais, é a expulsão do sistema jurídico, no controle de constitucionalidade direto e erga omnes(18) ; ou a invalidação das relações jurídicas dela decorrentes, no controle de constitucionalidade incidental(19) e inter partes.
3. Peculiaridades do controle de constitucionalidade abstrato, concentrado e direto e do controle concreto, incidental e difuso.
As normas jurídicas inválidas são, em regra, controladas e fiscalizadas pelo Poder Judiciário. Para tanto, o ordenamento jurídico brasileiro prevê dois sistemas distintos: o controle abstrato, concentrado e direto(20) ; e, o controle concreto, incidental e difuso(21) .
A ação judicial que tiver por objeto o controle de constitucionalidade abstrato, direto e concentrado tem sua causa de pedir na invalidade de uma norma jurídica considerada em si mesma. Este processo judicial tem natureza objetiva e, para sua instauração e julgamento, pressupõe que a norma constitucional, parâmetro para o controle da norma inferior, esteja em vigência.
O Ministro Celso de Mello, em seu voto na ADI 595/ES(22) , fundamentou, in verbis:
"no Brasil, o tema da constitucionalidade ou inconstitucionalidade supõe, no plano de sua concepção teórica, a existência de um duplo vínculo: o primeiro, de ordem jurídica, referente à compatibilidade vertical das normas inferiores em face do modelo constitucional (que consagra o princípio da supremacia da Carta Política), e o segundo, de caráter temporal, relativo à contemporaneidade entre a Constituição e o momento de formação, elaboração e edição dos atos revestidos de menor grau de positividade jurídica. Vê-se, pois, até mesmo em função da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 169/763, Rel. Min. Paulo Brossard), que, na aferição, em abstrato, da constitucionalidade de determinado ato normativo, assume papel relevante o vínculo de ordem temporal, que supõe a existência de uma relação de contemporaneidade entre padrões constitucionais de confronto, em regime de plena e atual vigência, e os atos estatais hierarquicamente inferiores, questionados em face da Lei Fundamental."
"Dessa relação de caráter histórico-temporal, exsurge a identificação do parâmetro de controle, referível a preceito constitucional, ainda em vigor, sob cujo domínio normativo foram produzidos os atos objeto do processo de fiscalização concentrada. Isso significa, portanto, que, em sede de controle abstrato, o juízo de inconstitucionalidade há de considerar a situação de incongruência normativa de determinado ato estatal, contestado em face da Carta Política (vínculo de ordem jurídica), desde que o respectivo parâmetro de aferição ainda mantenha atualidade de vigência (vínculo de ordem temporal)."(23)
Por outro lado, em processo judicial no qual se pretenda realizar o controle concreto, incidental e difuso a causa de pedir será a declaração de invalidade de relação jurídica havida entre sujeitos de direito. Para ser declarada a invalidade do vínculo intersubjetivo, o juiz deverá, incidental e preliminarmente, declarar a invalidade da norma jurídica que incidiu para fazer nascer a referida relação. O pedido judicial, no controle concreto, é o afastamento dos efeitos jurídicos produzidos pela incidência da norma jurídica inválida, a declaração de invalidade do vínculo jurídico daí nascido e a inexigibilidade dos efeitos eventualmente já ocorridos.
Como nesta última espécie de controle não se impugna a Iei em tese, mas a inexistência de relação jurídica válida entre sujeitos de direito, não se exige a contemporaneidade, no momento da decisão de controle, entre a lei inválida e o texto constitucional utilizado como parâmetro para o seu controle(24) , tal como exigido no controle abstrato, concentrado e direto.
As considerações acima têm importante conotação prática no caso de controle de determinada lei infra-constitucional inválida em relação a dado texto constitucional a ela contemporâneo, mas cujo conteúdo tenha sido posteriormente emendado com conteúdo compatível ao texto legal inferior, ainda vigente e não expulso do ordenamento jurídico ao tempo da promulgação da emenda.
Para a análise do caso, ressalta-se que, quando uma Constituição nova é promulgada há uma descontinuidade, uma ruptura, no ordenamento jurídico, que passa a ter um novo fundamento de validade. As normas inferiores e anteriores à promulgação são recepcionadas pelo novo texto se com ele forem materialmente compatíveis. Esta recepção possui uma forte razão prática, qual seja, a grande dificuldade de ser produzido um novo conjunto de normas para regular as relações sociais(25) . Neste caso, não se perquire sobre a validade da norma inferior recepcionada pela nova Constituição, perante o texto constitucional revogado, mas apenas sobre a validade desta perante a Constituição recém promulgada. Também não se controla os requisitos legislativos formais prescritos no novo texto constitucional, pois não há inconstitucionalidade formal superveniente.
Situação diferente é quando ocorre uma emenda em Texto Constitucional vigente. Neste caso, não há qualquer ruptura na ordem constitucional, mas a sua continuidade. Este continuum exige e impõe ao constituinte derivado a obediência plena ao Texto Originário. Por emenda revoga-se um ou alguns dispositivos constitucionais, na esfera permitida pelo constituinte e mantém-se a ordem constitucional.
Outro efeito do princípio da continuidade da ordem constitucional posta é que, no caso de emenda constitucional, a legislação infra-constitucional somente é recepcionada pelo texto novo se já era previamente compatível e válida em relação ao texto constitucional anterior e revogado. Por óbvio, se o texto constitucional emendado passar a ter conteúdo contrário ao texto constitucional originário, a lei inferior, incompatível com este último, porém compatível com o primeiro, permanece indelevelmente inválida no sistema.
Assim, supondo que um determinado texto constitucional originário tenha sido revogado por emenda, seu conteúdo será considerado como parâmetro de controle para as leis inferiores a ele contemporâneas, no sistema incidental e concreto; pois, neste sistema, a inconstitucionalidade de uma lei é analisada frente ao texto constitucional da época de sua publicação e não em relação ao texto constitucional a ela posterior. Neste sentido, o voto do Ministro Paulo Brossard, na ADIn n.2º:
"A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração"(26) .
No julgamento do RE 346084(27) , o Tribunal Pleno do STF teve a oportunidade de discutir e decidir que não há constitucionalização superveniente de lei inconstitucional anterior. Cita-se, por oportuno, trecho do Ministro Celso de Mello, a respeito do assunto:
"tenho enfatizado a importância de que o exercício do poder tributário, pelo Estado, deve submeter-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional, que institui, em favor dos contribuintes, decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes.
O fundamento do poder de tributar – tal como tem sido reiteradamente enfatizado pela jurisprudência desta Suprema Corte (TRJ 167/661, 656-676) – reside, em essência, no dever jurídico de estrita legalidade dos entes tributantes ao que imperativamente dispõe a Constituição da República.
Cabe referir, neste ponto, por oportuno, que a lei ordinária – que incursiona em domínio normativo constitucionalmente reservado à lei complementar – incide, por efeito de direta transgressão ao que prescreve a própria Constituição da República, em situação de evidente inconstitucionalidade (…)". "Esse entendimento reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuja orientação, no tema, adverte que infringe a Constituição, ofendendo-a de modo frontal, a lei ordinária – ou qualquer outro ato de menor hierarquia normativa – que disponha sobre matéria própria de lei complementar (RTJ 105/909, RTJ 154/810-811, RTJ 163/543-544, RTJ163/942/943, RTJ 166/917-918, RTJ 171/753-754, RTJ 179/114-115).
Cabe registrar, de outro lado, Senhora Presidente, considerada a modificação introduzida no conteúdo primitivo do art. 195, I, da Constituição, que não se revela aceitável nem acolhível, para os fins postulados pela União Federal, o reconhecimento de que a EC 20/98 poderia revestir-se de eficácia convalidante, pois – como ninguém ignora – as normas legais que se mostram originariamente inconciliáveis com a Lei Fundamental não se convalidam pelo fato de emenda à Constituição, promulgada em momento posterior, havê-las tornado compatíveis com o texto da Carta Política.
Se o Poder Público quiser proceder de acordo com o teor superveniente da emenda à Constituição, deverá produzir nova legislação compatível com o conteúdo resultante do processo de reforma constitucional, não se viabilizando, em conseqüência, a convalidação de diploma originariamente inconstitucional."(28)
Por fim, ressalte-se que, no direito positivo – e especialmente no direito tributário,- a forma legal é tão relevante quanto as relações intersubjetivas por ele reguladas. Na verdade, a forma é da essência do direito positivo e nasce igualmente da imputação deôntica. É o cumprimento de requisitos formais que confere a segurança ao direito. A rigidez constitucional é o mais expressivo exemplo da importância da formalização para o direito. No campo legislativo tributário, a forma é uma exigência do princípio da legalidade tributária estrita(29) . (art. 154, I, da CF/88) para conter e limitar o exercício do poder estatal, em favor dos governados.
Corrobora este pensamento a lição de Celso Antonio Bandeira de Melo: "Cumpre não esquecer que as Constituições, que o próprio Estado de Direito, se constituem em um projeto de contenção do exercício do poder, em prol de contenção do exercício do poder, em prol das liberdades e garantias do cidadão. É, pois, cabal contra-senso interpretar problemas jurídicos surdidos na intimidade deste entorno dando-lhes solução que avalize conceitos inversos aos que inspiram o Estado de Direito e a segurança que veio prover"(30) .
A submissão do Estado e do Poder Legislativo aos ditames constitucionais e legais é a pedra de toque do Estado Democrático de Direito e cabe especialmente ao Poder Judiciário, por meio dos mecanismos processuais de controle de constitucionalidade, declarar os vícios dos atos normativos inválidos bem como tolher-lhes os efeitos.
4. Delineamento constitucional da regra-matriz tributária. Legalidade tributária estrita e unidade lógica do tributo.
Ao prescrever as normas de competência tributária – também chamadas de normas de estrutura – a Constituição Federal define as linhas mestras da regra-matriz constitucional de cada tributo.
Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, a Constituição prescreve "a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos". Segundo o referido autor, "o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição"(31) .
No exercício das competências tributárias o legislador utiliza-se dos veículos introdutores de normas de conduta, dispostos no art. 59, da CF/88, nos termos específicos exigidos pelo Texto Maior em relação a cada tributo. Estas normas de conduta, criadas para vincular o sujeito passivo à uma obrigação de dar quantia, podem ser formalmente representadas pela chamada regra-matriz de incidência tributária (ou norma-padrão).
Não obstante a regra-matriz ser a formalização que representa a norma jurídica tributária primária, descritora de uma relação jurídica tributária abstrata, neste trabalho eventualmente referir-se-á à ela e à norma jurídica tributária como expressões sinônimas. Assim como também serão consideradas sinônimas as expressões "regra-matriz tributária" e "regra-matriz de custeio".
A regra-matriz de custeio, assim como todas as demais regras-matrizes tributárias, é formada por dois membros: um antecedente e outro conseqüente. No antecedente, os fatos jurídicos são demonstrados formalmente por meio de três critérios: material, temporal e espacial. Apesar de seus objetos serem distintos, estes critérios se complementam para representar um dado fato jurídico em circunstâncias de tempo e lugar(32) .
Condicionado ao antecedente encontra-se um conseqüente normativo. Este é composto por critérios que identificam, na norma jurídica de custeio, os elementos da relação jurídica tributária. Os critérios do conseqüente são o pessoal e o quantitativo. O primeiro assinala as particularidades dos sujeitos – ativo e passivo – do liame jurídico. O segundo revela as variáveis que, conjugadas, representarão o valor do objeto da prestação de custeio(33) . Em outras palavras, no conseqüente está formalizada, através dos critérios pessoal e quantitativo, a representação da relação jurídica a ser instaurada pela incidência da norma jurídica. Sem os elementos do conseqüente a relação jurídica tributária não nasce, mesmo que o sujeito passivo tenha realizado o fato jurídico descrito no antecedente normativo.
No critério pessoal encontram-se descritos tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo da obrigação tributária. No critério quantitativo encontra-se a descrição de uma base de cálculo e de uma alíquota(34) , elementos quantitativos e imprescindíveis para a configuração da norma jurídica tributária. Sem eles, eventual relação jurídica tributária não terá qualquer efeito econômico. Sem a prescrição da base de cálculo ou da alíquota, a ordem legal para o sujeito passivo dar quantia ao sujeito ativo será inócua(35) .
Para que possa incidir e vincular intersubjetivamente os sujeitos de direito, os critérios material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo da regra matriz deverão constar da norma jurídica impositiva. Para que se possa subsumir o conceito do fato ao conceito da norma e implicar, com isso, uma conseqüência jurídica tributária, todos os critérios da regra-matriz deverão estar expressa e estritamente prescritos em texto legal válido(36) .
Normalmente uma norma jurídica tributária é veiculada por vários dispositivos legais diferentes. Sendo raro um veículo introdutor de normas jurídicas prescrever de maneira lógica e seqüente os critérios que formam a norma jurídica tributária (regra-matriz). É comum que o intérprete, para estruturar logicamente uma regra-matriz, crie uma verdadeira "colcha de retalhos" legislativa e elabore um delicado exercício de interpretação e de integração normativa.
Este processo de interpretação construtiva é imperativo porque, no decorrer da vida de um tributo, comumente o legislador tributário revoga, recria ou altera um, algum ou todos os critérios da regra-matriz de incidência tributária, por uma ou mais vezes. Por óbvio, este exercício exacerbado da competência legislativa impõe maior cuidado ao titular do poder legiferante, no que se refere ao cumprimento dos requisitos constitucionais materiais e formais, assim como maior esmero no trabalho do intérprete.
Como uma norma jurídica tributária somente poderá incidir se todos os critérios supra referidos estiverem prescritos por instrumento legislativo estrito e escrito, na falta de um deles, a norma jurídica tributária estará incompleta e, portanto, não incidirá, nem criará vínculos jurídicos.
Em suma, o que não se pode olvidar é: para que uma norma jurídica tributária seja válida e capaz de gerar relações jurídicas tributárias válidas, todos os critérios da regra-matriz deverão estar previstos em lei estrita e escrita, e esta, validamente vinculada à matriz constitucional ao tempo de sua publicação.
5. A tributação do empregador rural pessoa natural com base na folha de salários e na receita bruta advinda de comercialização de produto rural. Fundamentos constitucionais.
Pressupondo as idéias anteriormente lançadas, passar-se-á a tratar do regime jurídico do "Funrural" e suas inconstitucionalidades.
Antes de se entrar no regime jurídico positivo do "Funrural", faz-se mister recordar que, sob a égide da Constituição Federal de 1969, foi publicada a Lei Complementar nº11/71. Esta instituiu o "Programa de Assistência ao Trabalhador Rural" – PRORURAL – que envolvia um sistema de previdência rural, dispunha sobre benefícios previdenciários e a forma de custeio(37) dos mesmos. O fundo gestor deste programa de proteção era uma autarquia e a lei atribuiu-lhe o nome de Funrural. Com o tempo, a contribuição social destinada ao custeio do referido programa passou a ser chamada pelo mesmo nome atribuído ao fundo.
Com a promulgação da CF/88, restou prescrito, nos arts. 194 e seguintes, um sistema de seguridade social que reuniu, sob o mesmo regime jurídico de proteção e de custeio, tanto o setor rural quanto o setor urbano. Em face disso, o fundo autárquico supra referido deixou de ter fundamento constitucional.
No art. 195, I, do Texto Maior, o constituinte originário assim prescreveu:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
II – dos trabalhadores;
III – sobre a receita de concursos de prognósticos.
Como já dito alhures, o legislador, ao lançar mão de uma norma de competência tributária, tal como a acima transcrita, deve ater-se às possibilidades discriminadas no texto constitucional, ou seja: ao fato jurídico possível, vinculado à base de cálculo possível, assim como ao sujeito passivo possível, etc. Tendo em mente este pressuposto e o dispositivo supra, infere-se que o empregador referido no art. 195, inc. I, primeira parte, há ser tanto a pessoa jurídica quanto a pessoa natural(38) com vínculo empregatício com pessoa também natural para serviços pessoais.
À pessoa jurídica, nos termos do referido inciso, fora atribuído o custeio da seguridade social mediante a realização de todos os fatos ali descritos: pagar salário a empregado, obter faturamento e/ou obter lucro. Já ao empregador pessoa natural somente foi atribuído o custeio em questão pela via da remuneração de empregados (folha de salários), dado não obter faturamento para fins da tributação pela COFINS, pelo PIS ou pela CSLL, cujos sujeitos passivos são as pessoas jurídicas.
Sob a égide da redação originária do art. 195, da CF/88, foi publicada a Lei nº 8.212/91, também chamada de plano de custeio previdenciário. Naturalmente, esta lei planificadora criou muitas hipóteses de incidências previdenciárias (regras-matrizes). Pressupondo os fatos jurídicos e as bases de cálculo autorizadas pelo referido artigo constitucional, o legislador ordinário os repetiu e os vinculou aos sujeitos constitucionalmente possíveis. Cada uma destas vinculações representa uma específica regra-matriz de custeio.
No que tocante à regra-matriz da contribuição social devida pelo empregador rural pessoa natural, a referida lei ordinária prescreveu: no art. 11, §ún. "a"(39) – o fato jurídico tributário – "remunerar segurado a seu serviço"; no arts 12, V, "a"(40) c/c art. 15, § ú(41) , e art. 11, §ú, "a", primeira parte – o sujeito passivo: pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária (…), em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua; no art. 22, I e II(42) – a base de cálculo: total das remunerações pagas ou creditas; ainda no art. 22, I e II, "a", "b" e "c"(43) – alíquotas: 20%, adicionado de 1%, 2% ou 3%.
Além do acima disposto e de outras tantas hipóteses de incidência, a Lei n. 8.212/91, em seu art. 25(44) , sob o fundamento constitucional prescrito no art. 195, §8º(45) , também criou a contribuição social a cargo do segurado especial, tendo por fato jurídico tributário a obtenção de receita bruta advinda da comercialização da produção deste e por base de cálculo o montante da receita por ele obtida.
Ao contrário do segurado especial, em face de o empregador produtor rural pessoa natural não possuir disposição especial a ele referida no texto constitucional, a ele dever-se-iam aplicar a ele as mesmas hipóteses de custeio previdenciário destinadas aos empregadores em geral. Isto foi feito pelo legislador de 1991.
Enquanto a Lei n. 8.212/91 vigeu com a redação original dos artigos acima transcritos, entre a regra-matriz de incidência imposta ao empregador produtor rural pessoa natural e o texto constitucional originário houve plena adequação e validade, tanto do ponto de vista material quanto do ponto de vista formal.
5.1. A Lei nº 8.540/92
Mas, em 22 de dezembro de 1992, ainda sob a égide da redação originária do art. 195, I, 1ª parte, da CF/88, foi publicada a Lei Ordinária nº 8.540, para alterar a regra-matriz de custeio relativa ao empregador rural pessoa natural prescrita nos dispositivos da Lei nº 8.212/91 acima já transcritos. Em função do princípio da anterioridade nonagesimal previsto no art. 150, III, c, da CF/88, a Lei n. 8.540/92 passou a viger em 31 de março de 1993.
A partir desta data passou a viger o art 1º da referida lei, com a seguinte redação:
Art. 1º A Leis nºs 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com alterações nos seguintes dispositivos:
Art. 22. (omissis)
(…)
§ 5º O disposto neste artigo não se aplica à pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12 desta Lei.
(…)
Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea "a" do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:
I – dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento de complementação das prestações por acidente de trabalho.
(…)
§ 3º Integram a produção, para os efeitos deste artigo, (…).
§ 4º Não integra a base de cálculo dessa contribuição (…).(46)
Art. 30. (omissis)
(…)
IV – o adquirente, o consignatário ou a cooperativa ficam sub-rogados nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta Lei, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento;
(…)
X – a pessoa física de que trata a alínea "a" do inciso V do art. 12 e o segurado especial são obrigados a recolher a contribuição de que trata o art. 25 desta Lei no prazo estabelecido no inciso III deste artigo, caso comercializem a sua produção no exterior ou, diretamente, no varejo, ao consumidor.
Note-se que, com § 5º do art. 22, supra transcrito, o legislador revogou a contribuição social devida pelo empregador rural pessoa natural incidente sobre a folha de salários. Esta revogação foi válida, na medida em que lei revogadora tem a mesma estatura formal que a lei revogada.
Além da referida revogação, a lei ordinária nova alterou a redação do art. 25, da Lei n. 8.212/91, para "incluir" nesta regra-matriz do segurado especial o empregador rural pessoa natural. A partir de então, tanto a contribuição devida pelo segurado especial quanto a devida pelo empregador rural pessoa natural passaram a ter por fato jurídico tributário o ato "obter receita bruta resultante de comercialização de produção rural" e por base de cálculo o montante de receita bruta obtido.
Na verdade, com a aparentemente despretensiosa inclusão de novo sujeito passivo em hipótese de incidência existente, o legislador criou uma hipótese tributária nova e sem autorização constitucional para tanto.
Em resumo: a) a lei nova revogou a contribuição social criada com fundamento no art. 195, I, 1ª parte, da CF/88, cujo fato jurídico tributário era o ato de remunerar empregados; b) criou nova contribuição social incidente sobre o fato jurídico tributário "obter receita bruta advinda de comercialização de produto rural"; c) elegeu também um responsável tributário(47) , conforme o art. 30, IV, para a exação do art. 25.
Considerando-se as competências tributárias enumeradas, toda manipulação legislativa em fato jurídico ou em base de cálculo de dado tributo contraria a regra-matriz constitucional deste, restando, em princípio, inválido o produto legislado. Isso porque, mudando-se o fato jurídico possível e/ou a base de cálculo possível de um tributo, acabar-se-á por instituir exação diversa da outorgada pelo Texto Maior à pessoa política tributante(48) .
O art. 25, com a redação nova, alterou tanto o critério material quanto o critério quantitativo da contribuição social à seguridade social anteriormente devida pelo sujeito passivo empregador rural pessoa natural. E com isso, o art. 1º da Lei n. 8540/92 fez nascer um "novo e inconstitucional Funrural".
Na data da publicação da Lei n. 8.540/92 prevalecia no texto constitucional originário a prescrição de que o empregador pessoa natural somente poderia custear a seguridade social com fundamento do fato jurídico "remunerar empregado". Assim, somente com fundamento neste suporte físico o legislador ordinário poderia criar exação tributária válida ao referido sujeito passivo.
Por meio da Lei n. 8.540/92, ao escolher para a contribuição social do produtor rural pessoa natural fato jurídico diverso do apontado acima e prescrito no art. 195, I, 1ª parte, o legislador procedeu inconstitucionalmente. O legislador desrespeitou a regra-matriz constitucional prescrita no artigo citado, tornando materialmente inválida a Lei n. 8.540/92.
Mas, é necessário destacar que, no custeio da seguridade social, às competências tributárias enumeradas alia-se também uma competência residual prescrita no art. 195, §4º, in verbis:
CF/88, Art. 195, § 4º – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no Art. 154, I.
CF/88, Art. 154 – A União poderá instituir:
I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;
No exercício desta competência o legislador tem autorização material para pinçar na realidade fatos econômicos e bases de cálculo não enumerados no Texto Constitucional e com eles fazer nascer obrigações tributárias válidas. Mas, para o exercício da referida competência residual o legislador precisa submeter-se aos requisitos constantes do inciso I, do art. 154: lei complementar e não cumulatividade. Ou seja, o legislador não tem a liberdade para escolher o veículo introdutor de norma que lhe convier. Ao contrário, ele está vinculado aos requisitos formais ao quais dispõe o Texto Maior. Se este texto lhe obriga o manejo de lei complementar, assim deverá fazê-lo, sob pena de inconstitucionalidade formal do produto por ele legislado.
Neste sentido, asseverou o Ministro Eros Grau em seu voto no RE 363.852/MG:
"Não há, na redação anterior à Emenda Constitucional n. 20/98, previsão da receita bruta como base de calculo da contribuição para a seguridade social. A exação consubstancia nova fonte de custeio para o sistema e apenas poderia ser instituída por lei complementar (art. 195, §4º c/c art. 154, I, da CB/88".
Assim, para lançar mão de sua competência tributária residual e tributar o empregador produtor rural pessoa natural com base no ato de obter receita bruta o legislador estava obrigado a fazê-lo por meio de lei complementar. Em não o fazendo, a Lei n. 8.540/92 nasceu com o vício formal da inconstitucionalidade.
5.1.1. A proibição de utilização aleatória de fato jurídico tributário e base de cálculo discriminados na constituição federal
Além dos vícios formal e material apresentados e presentes na Lei n. 8.540/92, faz-se mister destacar que, no caso, o legislador utilizou-se de fato jurídico tributário-base de cálculo destinado pela Constituição Federal para a tributação do segurado especial, conforme o disposto no art. 195, §8º, da CF/88.
Acerca da tributação do segurado especial, o referido dispositivo constitucional assim prescreve:
Art. 195. (omissis)
(…)
§ 8º – O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes (1), contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota (2) sobre o resultado (3) da comercialização da produção (4) e farão jus aos benefícios nos termos da lei. (Alterado pela EC-000.020-1998)
O dispositivo supra fixa os seguintes pontos para a contribuição social do "segurado especial": (1) os sujeitos passivos, (2) alíquota, (3) base de cálculo e (4) fato jurídico tributário.
O dispositivo transcrito acima veicula duas normas jurídicas: uma permissiva e outra proibitiva.
A primeira confere ao legislador a autorização criar norma de incidência tributária nos moldes apontados pela norma de competência permissiva(49) .
Já a segunda norma constitucional, decorre do texto lido a contrário sensu e do pressuposto da rigidez da Carta Maior. Esta norma constitucional implícita proíbe o Poder Legislativo de criar norma jurídica de incidência tributária que eleja e vincule aleatoriamente um dado fato jurídico tributário ou base de cálculo, constitucionalmente previstos, a sujeito passivo diverso daquele eleito e vinculado pelo próprio texto constitucional.
Assim, ao prescrever as contribuições sociais do art. 1º, da Lei nº 8.540/92 (novo "Funrural") tomando por base elementos do art. 195, §8º, o legislador ordinário descumpriu a norma constitucional proibitiva implícita no dispositivo.
O legislador ordinário criou norma tributária para incidência sobre o empregador produtor pessoa natural, lançando mão do fato jurídico tributário e da base de cálculo destinados pelo constituinte ao segurado especial, que por sua natureza, não possui empregados.
Como visto, isso é proibido. Havendo previsão constitucional de que a contribuição social do segurado especial deverá incidir sobre o resultado da comercialização de sua produção rural, há a proibição/exclusão de o legislador utilizar a mesma base de cálculo e o mesmo fato jurídico tributário para tributar outros contribuintes. Quaisquer outros contribuintes que não o segurado especial deverão, por força constitucional, ser tributados com base da folha de salários, nos termos do art. 195, I. O sujeito passivo tributário previsto no art. 1º da Lei nº 8.540/92, não entra na exceção prevista no art. 195, § 8º, reservada em caráter exclusivo ao segurado especial.
Pelo exposto, a contribuição social prescrita no art. 1º, da Lei nº 8.540/92 não tem fundamento de validade material quer pelo art. 195, I, 1ª parte, na redação originária, que pelo art. 195, § 8º, assim como também não tem fundamento formal de validade pelo art. 195, §4º, combinado com o art. 154, I, todos da CF/88.
5.2. A lei n. 9.528/97
Em 11 de dezembro de 1997 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n. 9.528/97. Esta manteve a configuração exacional prescrita na lei anterior:
art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea "a" do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada a Seguridade Social, é de:
I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para o financiamento das prestações por acidente do trabalho.
Na verdade, a lei ordinária em tela repetiu o mesmo texto da Lei n. 8. 540/92. Portanto, a Lei n. 9.528/97 resta inquinada dos mesmos vícios já anteriormente em relação àquela.
5.3. EC n. 20/98. Manutenção da vigência da lei n. 9.528/97
Em 16.12.1998 foi inserida no ordenamento jurídico a Emenda Constitucional n. 20/98 que trouxe importantes alterações ao Texto Constitucional Originário. Pela redação constitucional derivada foi alterada a redação do inciso I, do art. 195, da CF/88. Na redação originária o inciso I, até então, estavam previstos três fatos jurídicos distintos: remunerar empregado, obter faturamento e obter lucro. Com a Emenda Constitucional n. 20/98, a redação do referido dispositivo passou a ter a seguinte configuração:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento;
Note-se que com a redação nova, a alínea "b" passou a abarcar tanto o faturamento quanto a receita. Assim, a partir da EC n. 20/98, o legislador ficou autorizado a editar lei ordinária para também tributar o empregador produtor rural pessoa natural com base no resultado da comercialização de produtos rurais.
Como a emenda constitucional, assim como todas as demais espécies de veículos introdutores de normas jurídicas, somente pode lançar seus efeitos vinculantes para o futuro, o produto do legislador tributário com fundamento no novo permissivo constitucional somente haveria de ter validade se publicado a partir do dia 17.12.1998.
5.3.1. Da impossibilidade de validação das leis n. 8.540/92 E N. 9.528/97
Não obstante datar de 17.12.98 a autorização ao legislador publicar nova lei ordinária válida e legitimar a contribuição social, até então incidente sobre o empregador rural pessoa natural, o art. 25, da Lei n. 9.528/97, permaneceu integralmente(50) vigente e inconstitucional até o dia 10.07.2001.
Por amor ao debate, poder-se-ia indagar: as leis ordinárias n. 8.540/92 e n. 9.528/97 poderiam ter obtido fundamento de validade posterior às suas publicações, através do fenômeno da recepção, da validação ou da convalidação, dado serem materialmente compatíveis com o texto inserido pela EC n. 20/98? A resposta é negativa em todas as opções supostas.
Conforme já demonstrado anteriormente, pelo fenômeno da recepção não é juridicamente possível atribuir validade às Leis n. 8.540/92 e n 9.528/97, pois pelo princípio da continuidade do ordenamento jurídico uma emenda constitucional não pode recepcionar leis anteriormente inválidas. As Leis n. 8.540/92 e n. 9.528/97, mesmo que não expulsas do sistema até a publicação da emenda n. 20/98, continuam inválidas, pois o vício que as inquina é congênito e contemporâneo à redação originária do texto constitucional.
Quanto à hipótese de convalidação da norma sob análise, este fenômeno deverá ser entendido como atribuição retroativa de validade a ato normativo origina
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