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A contratação de serviços e a pessoa jurídica

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De acordo com o artigo 129 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, sujeita-se à legislação própria das pessoas jurídicas a prestação de serviços intelectuais, ainda que em caráter personalíssimo, apenas para fins previdenciários e fiscais. Quais os reflexos desse dispositivo legal nas relações trabalhistas?

Como é curial, a prestação de serviços em geral por meio de pessoa jurídica não gera vínculo de emprego. Assim, não se discute o fato de uma pessoa jurídica prestar serviços e, sim, quando a relação de emprego é escamoteada. Portanto, a questão que se coloca é: pode um empregado, por conveniência e de comum acordo com o empregador, optar por sujeitar-se à legislação própria das pessoas jurídicas?

Embora seja precoce indicar uma saída segura, uma análise superficial do artigo 129 pode sugerir duas soluções possíveis: uma mais conservadora, à luz do atual ordenamento jurídico, fundada na doutrina tradicional e jurisprudência dos tribunais especializados, e outra mais contemporânea e adequada às novas transformações do direito do trabalho.

De acordo com a primeira das soluções apontadas, embora não reconhecido formalmente o vínculo mediante registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), mas presente a relação de emprego em face do trabalho prestado a empregador, aplica-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), independentemente da escolha das partes ou apesar dela. Em outras palavras, de acordo com nosso sistema de relações trabalhistas, o contrato de trabalho não depende de sua formalização, mediante registro no livro ou carteira de trabalho, mas resulta de sua simples execução.

Em conseqüência, ainda que o trabalhador se apresente sob a forma de pessoa jurídica para prestar serviços, se ficar provada a subordinação a escamotear a verdadeira relação de emprego, a Justiça do Trabalho, com base no artigo 9º. da CLT, determinará o registro do contrato, em decorrência da relação de emprego.

Como se vê, sob tal perspectiva, o artigo 129 em nada modificou a legislação trabalhista, apenas facilitou tal modalidade de contratação, introduzindo segurança jurídica naquelas relações contratuais passíveis de desconstituição apressada por auditores fiscais. Daí a crença até na desnecessidade do referido artigo, tanto que o próprio legislador antecipou-se em esclarecer que se destina a fins previdenciários e fiscais tão somente, não se estendendo seus efeitos na seara trabalhista.

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Uma análise superficial do artigo 129 pode sugerir duas soluções: uma mais conservadora e outra mais contemporânea
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Outra interpretação é possível, levando-se em conta transformações ignoradas pela legislação trabalhista e sua inadequação para enfrentar os desafios determinados pela reestruturação produtiva e novas formas de contratação, especialmente em relação a determinados profissionais, como prestadores de serviços intelectuais.

Há muito vem se apontando a evolução do trabalho autônomo e o Relatório Supiot é emblemático: o mundo da produção é plural, não se reduzindo a um único modelo de relações trabalhistas. E conclui: não se trata de simples fuga do direito do trabalho e de seus custos, mas de estratégias de inovação nesse setor de alto nível de qualificação.

Nesse contexto, deve-se examinar o artigo 129, que autoriza a contratação de certos profissionais para prestar serviços intelectuais, por meio de pessoa jurídica, em face das tendências do direito do trabalho, cujo desafio é garantir a eficácia econômica sem prejuízo da proteção de quem trabalha, independentemente de eventuais vantagens fiscais.

É possível estabelecer uma nítida distinção entre determinados trabalhadores intelectuais e empregados em geral, pela sua relação de coordenação e autonomia. Ou seja, nem sempre é possível reduzir determinadas relações a um contrato de trabalho, em face de um feixe de relações que o direito do trabalho não absorve na sua integralidade, como questões relacionadas a direitos autorais, direito de imagem, contratação de terceiros envolvidos nessa verdadeira estrutura empresarial. Ao contrário, a contratação tradicional apresentava-se insuficiente, impondo-se novo modelo, agora autorizado pelo artigo 129, por meio de pessoa jurídica, segundo a apontada concepção mais moderna.

Ainda que o artigo 129 venha a ser declarado inconstitucional ou simplesmente ignorado pelos tribunais especializados, revela o esgotamento de nosso modelo, impondo-se a reforma do direito do trabalho. Talvez não possamos, por ora, enfrentar mudanças mais abrangentes, daí porque o artigo 129 manteve nossa tradição da reforma pontual. Não importa como a reforma será feita, desde que tenhamos um projeto claro dos rumos que a sociedade brasileira pretende imprimir às relações trabalhistas e como se enfrentará o conflito aparentemente insolúvel de proteger as empresas e a livre iniciativa, de um lado, sem prejuízo do trabalho como valor e da garantia dos direitos do trabalhador, de outro, de modo a assegurar a eficácia do direito do trabalho.

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