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Decadência e o Inciso II do art. 173 do CTN

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José Hable
Auditor Tributário da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal; Graduado em Agronomia pela UFPR; Administração de Empresas pela FAE e em Direito pela CEUB; Pós-Graduado em Direito Tributário pelo ICAT; Mestrando em Direito Internacional Econômico pela UCB; Professor de Direito Tributário

José Hable

Indaga-se: o inciso II do art. 173 do CTN, que trata de prazo decadencial, aplica-se em que situações no processo administrativo fiscal?

Introdução

O inciso II do art. 173 do CTN (01) disciplina que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados "da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado".

Esse excerto legal está a dizer que, da data da decisão definitiva, administrativa ou judicial, que tenha anulado por vício formal o lançamento tributário anteriormente efetuado, terá o Fisco mais cinco anos para proceder a um novo lançamento.

É importante observar que a aplicação desse dispositivo é bastante específica, isto é, está ela limitada à anulação definitiva do lançamento (02) e, tão-somente, por vício formal.

Para uma melhor compreensão, colocamos, a título de ilustração, o seguinte caso hipotético:

(1) o Fisco lavra auto de infração – AI, constituindo o crédito tributário referente a fatos geradores dos exercícios de 2000 e 2001;

(2) o autuado impugnou o AI, no prazo legal, nos termos do art. 151, III, do CTN, suspendendo sua exigibilidade;

(3) após julgamento de 1ª instância administrativa, em grau de recurso, o órgão julgador de 2ª instância proferiu decisão definitiva no dia 30 de abril de 2008, anulando o AI, por vício formal, e determinou, ainda, o retorno dos autos ao setor de fiscalização para refazer o AI;

(4) o Fisco, nos dizeres do art. 173, II, do CTN, terá então mais cinco anos, a contar da decisão definitiva do órgão julgador (30.04.2008), para constituir o crédito tributário referente aos fatos geradores dos exercícios de 2000 e 2001, ou seja, tem até a data de 30 de abril de 2013, para constituir os referidos créditos tributários.

Observa-se que a determinação do início do prazo decadencial para o novo lançamento, descrito no art. 173, II, do CTN, resume-se em saber se a anulação do lançamento, em decisão definitiva, foi por vício formal ou não. O que seria então vício de forma?

2. Vício de Forma

Leciona Marcelo Caetano (03) que: "O vício de forma existe sempre que na formação ou na declaração da vontade traduzida no ato administrativo foi preterida alguma formalidade essencial ou que o ato não reveste a forma legal". Esclarece, ainda, que: "Formalidade é, pois, todo ato ou fato, ainda que meramente ritual, exigido por lei para segurança da formação ou da expressão da vontade de um órgão de uma pessoa coletiva".

Por esse excerto doutrinário, um lançamento tributário é anulado por vício formal quando não se obedece às formalidades necessárias ou indispensáveis à existência do ato, isto é, às disposições de ordem legal para a sua feitura.

Estatui o art. 59 do Decreto nº 70.235/72, (04) que trata do processo administrativo fiscal da União:

Art. 59. São nulos:
I – os atos e termos lavrados por pessoa incompetente;
II – os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa.

Pode-se observar que a legislação tributária da União sobre a matéria limita-se a considerar nulos apenas os atos (atos, termos, despachos e decisões) praticados por pessoa ou autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa. E, quanto aos demais vícios, poderiam eles ensejar a nulidade de atos?

Descreve Antônio da Silva Cabral (05) que "erram, assim, as decisões e os acórdãos que afirmam ser as hipóteses mencionadas no art. 59 as únicas que podem acarretar a nulidade processual", referindo-se ao dispositivo do Decreto nº 70.235/72, acima transcrito.

No Código de Processo Civil – CPC, (06) os vícios de forma que podem acarretar a nulidade de atos estão dispostos nos seus arts. 243 a 250, no Capítulo V, Das Nulidades. Já no Direito Civil, as nulidades absolutas e as relativas estão previstas nos arts. 166 e 171 do Código Civil, no seu Capítulo V, Da Invalidade do Negócio Jurídico. (07)

Existe ainda uma grande discussão questionando se vício de competência, isto é, quando o agente fiscal age sem estar legalmente investido no cargo, ou estando, excede-se nas atribuições que a lei lhe confere, constitui ou não vício de forma.

Há quem defenda que o vício de competência é um vício de forma. (08)

Antônio da Silva Cabral, (09) por outro lado, ao tratar da Teoria das Nulidades dos Atos Administrativos, cita os principais vícios capazes de atingir o ato administrativo, demonstrando que os vícios por incompetência do agente não são vícios de forma.

A Lei nº 4.714, de 1965, (10) que regula a ação popular, em seu artigo 2º, também diferencia vícios de incompetência do de forma.

O ato de lançamento tributário, consubstanciado, por exemplo, em um auto de infração, e que é considerado um ato administrativo, para que possa produzir os efeitos que lhe são inerentes, é necessário conter os requisitos imprescindíveis à sua formação: competência, forma, finalidade, motivo e objeto. Assim, o vício pode atingir tanto o requisito da competência quanto o da forma, ou ainda, ambos, demonstrando tratarem-se de vícios diversos. (11)

Por esses ensinamentos doutrinários, e excertos legais, pode-se inferir que vício de competência não é vício de forma e que um não está inserido no outro. (12)

3. Prossecução do Prazo Decadencial

Outro item polêmico que envolve o inciso II do art. 173 do CTN diz respeito à ocorrência ou não da interrupção do prazo de decadência.

Afirmava-se, com fundamento na regra do direito privado, que o prazo decadencial não comportava interrupções nem suspensões, em contraposição ao prazo prescricional. Ocorre, no entanto, que, com a edição do Código Civil – CC de 2002, houve inovações no direito privado quanto ao instituto da decadência, dispondo em seu art. 207, que "salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição." (Grifos nossos).

Dessa forma, segundo o referido CC, o prazo decadencial não está sujeito a impedimentos, suspensões ou interrupções, ressalvada disposição de lei em contrário.

Assim, esse traço diferencial entre o prazo decadencial e prescricional, há muito pacificado na doutrina privativista, deixa de prevalecer, da mesma forma que no Direito Tributário já não era bem aceito, notadamente quando se analisa o inciso II do art. 173 do CTN.

Há quem sustente (13) que, no citado inciso II, tem-se um prazo autônomo de decadência, no qual o Poder Público utiliza-se de seu direito de constituir o crédito tributário, havendo uma deficiência formal. Ou seja, com a decisão definitiva, o lançamento deixa de existir e a Fazenda Pública tem um novo direito de constituir o crédito tributário, submetido a prazo decadencial. Assim, não se trataria de uma interrupção da decadência, mas, sim, de um novo direito com novo prazo de decadência.

Outros doutrinadores, (14) no entanto, defendem que, neste inciso II, há um explícito caso de interrupção do prazo decadencial, em que se despreza o espaço de tempo porventura gasto até a realização do lançamento anulado por vício formal, passando a contar novo período de cinco anos.

O inciso II do art. 173 do CTN, nas palavras de Luciano Amaro, (15) comete um dislate, ou seja, de um lado, ele introduz, para o arrepio da doutrina, causa de interrupção e suspensão do prazo decadencial; de outro, o dispositivo é de uma irracionalidade gritante, dando ao sujeito ativo um novo prazo de cinco anos, inteirinho, como "prêmio" por ter praticado um ato nulo. Ou ainda, como descreve Luiz Emydgio Rosa Junior, (16) este inciso II "consagra a teoria do benefício do erro a favor do infrator (fisco)".

Apenas a título de discussão teórica, para se defender a tese de que, no mencionado inciso II, não haveria interrupção do prazo de decadência, colocamos a assertiva de que não é possível interromper um prazo que não está em curso, isto é, que já cessou, pois, com o lançamento tributário, a posteriori anulado, não há mais se falar em decadência, podendo-se assim considerar autônomo o novo prazo.

Por outro lado, cabe destacar que, com a anulação do lançamento tributário, ou sua nulidade como já tratado, é como se esse nunca tivesse existido, e, assim, despreza-se o prazo já transcorrido para a realização do referido lançamento, contando-se, por expressa disposição legal, um novo prazo de cinco anos, ou seja, caso típico de interrupção. (17)

Referências Bibliográficas

AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 11 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2 ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

CABRAL, A. S. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993.

CAETANO, M. Manual de direito administrativo. t.1. 10 ed., Lisboa, 1973

CARVALHO, P. B. Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998.

FANUCCHI, Fábio. A decadência e a prescrição em direito tributário. 2 ed., São Paulo: Resenha Tributária, 1971.

HABLE, José. A extinção do crédito tributário por decurso de prazo. 2 ed., Brasília: Lúmen Juris, 2007.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 8 ed., São Paulo: Malheiros, 1993.

MORAES, B. R. Compêndio de direito tributário. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2v, 1997.

SOUZA, A. Curso básico de direito tributário. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2006.

ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de direito financeiro & direito tributário. 12 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

Notas

(1) BRASIL. CTN. "Art. 173 – O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: (…) II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado."

(2) Na verdade nulidade, conforme defendem alguns doutrinadores, como FANUCCHI, F. Obra citada, p. 87, e AMARO, L. S. Obra citada. p. 407, entre outros.

(3) CAETANO, M. Obra citada, p. 56.

(4) BRASIL. Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972. Dispõe sobre o processo administrativo fiscal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 25 ago. 2006.

(5) CABRAL, A. S. Obra citada, p. 526.

(6) BRASIL. Lei nº 5.869, de 11/1/1973. CPC. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 25 ago. 2006.

(7) BRASIL. Lei nº 10.406, de 10/1/2002. CC. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 jun. 2006.

(8) SOUZA, A. Obra citada, p. 202; e BALEEIRO, Aliomar. Obra citada, p. 911.

(9) CABRAL, A. S. Obra citada, p. 520-521 e 524.

(10) BRASIL. Lei nº 4.714, de 29 de junho de 1965, que regula a ação popular. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 jul. 2006.

(11) HABLE, J. Obra citada, p. 66-67. No mesmo sentido, se expressou a professora Dra. Maria Silvia Zanella Di Pietro, palestrando no I Seminário de Direito Administrativo – TCMSP "Processo Administrativo", de 29 de setembro a 3 de outubro de 2003, sobre o tema Pressupostos do ato administrativo – vícios, anulação, revogação e convalidação em face das leis de processo administrativo.

(12) BORGES, J. S. M. Obra citada, p. 358, doutrina ainda: "se, por exemplo, a anulação é por vício de competência, algo externo ao lançamento e, portanto, irrelevante no tocante à sua forma, não será cabível a invocação do art. 173, II do CTN, para a fixação do prazo decadencial."

(13) MORAES. B. R. Obra citada, p. 378-379.

(14) Nesse sentido: FANUCCHI, F. A. Obra citada. p. 87; MACHADO, H. B. Obra citada, p. 146; AMARO, L. S. Obra citada. p. 407 e CARVALHO, P. B. Obra citada, p. 194, entre outros.

(15) AMARO, L. S. Obra citada. p. 407.

(16) ROSA JÚNIOR, L. E. F. da. Obra citada, p. 597.

(17) Este tema é tratado com maior abrangência no livro do autor (p. 62-70): A Extinção do Crédito Tributário por Decurso de Prazo, Brasília: Editora Lúmen Juris, 2007, 2ª ed. Prefácio de Roque Antônio Carrazza e Apresentação do Min. João Otávio de Noronha.

José Hable*
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