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Créditos de PIS/COFINS sobre Valores Despendidos com Frete – Operações entre Estabelecimentos da Mesma Empresa

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Aline Paladini Mammana Lavieri
Advogada e Consultora em São Paulo; Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU; Especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; Extensão em Contabilidade Fiscal junto à Fundação Getúlio Vargas – GVlaw.
Leandro Bonadia Fernandes
Advogado e Consultor em São Paulo; Graduado em Direito pela Universidade Paulista – UNIP; Especialização em Direito Tributário pela Associação Paulista de Estudos Tributários – APET; Curso de Gerenciamento da Tributação nas Empresas junto à Fundação Getúlio Vargas – GVpec; Pós-Graduando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – GVlaw

Introdução

Uma das grandes celeumas em relação à "não-cumulatividade" das Contribuições para o Programa de Integração Social ("PIS") e para o Financiamento da Seguridade Social ("COFINS") consiste na possibilidade, ou não, das pessoas jurídicas sujeitas a esta sistemática tomarem créditos em relação aos valores despendidos com frete para a circulação de produtos acabados entre os seus respectivos estabelecimentos ("frete intercompany").

Dentro desse contexto, o presente estudo tem por objetivo explorar a natureza jurídica dos créditos do PIS e da COFINS e, partindo das premissas alcançadas, externar as inconsistências da vedação ao creditamento em análise(1).

Da Natureza Jurídica dos Créditos de PIS e COFINS

Inicialmente, é importante destacar que a "não-cumulatividade" do PIS e da COFINS não guarda correlação jurídica com a não-cumulatividade constitucional do ICMS e do IPI, cuja distinção, em nossa opinião, encontra certo consenso entre os juristas brasileiros.

Com efeito, enquanto a primeira (não-cumulatividade do ICMS e do IPI) decorre de uma imposição constitucional(2), a segunda ("não-cumulatividade" do PIS e da COFINS) advém de Lei Ordinária(3), apesar de atualmente encontrar guarida na Constituição Federal de 1998 ("CF/88")(4).

Aprofundando ligeiramente a análise, verifica-se que a não-cumulatividade do ICMS e do IPI, em suma, baseia-se no sistema de débitos e créditos, onde o imposto cobrado (i.e., devido – destacado/lançado) nas operações anteriores é escriturado como crédito, para fins de compensação com o imposto devido nas operações posteriores, que é escriturado como débito.

A "não-cumulatividade" do PIS e da COFINS, por sua vez, não traz esta vinculação entre créditos e débitos propriamente dita, mesmo porque a regra-matriz de incidência das aludidas Contribuições é completamente distinta das que regem os impostos anteriormente citados.

De fato, enquanto o ICMS e IPI são impostos que incidem efetivamente sobre as operações realizadas pelas empresas, repercutindo o encargo financeiro sobre o consumidor final(5), as Contribuições ao PIS e à COFINS afetam as operações de maneira indireta, pode-se dizer assim, uma vez que incidem sobre as receitas auferidas pelas pessoas jurídicas e acabam refletindo no valor da operação somente por conta das regras de composição do custo da mercadoria vendida e/ou do serviço prestado.

Em outras palavras, diferentemente do que ocorre com o ICMS e com o IPI, não há efetivo destaque/lançamento do PIS e da COFINS nas operações de venda e/ou prestação de serviços (dentre outras(6)), haja vista que a sua incidência recai sobre o faturamento das empresas, conforme a definição legal, e não sobre as operações em si.

E foi justamente por conta disto, a nosso ver, que o legislador ordinário entendeu por bem instituir um sistema diferenciado de "não-cumulatividade" para o PIS e a COFINS, por que não dizer híbrido, onde aos contribuintes foram atribuídas certas hipóteses em que o crédito é assegurado, baseando-se na aquisição de bens e serviços, nos custos, nas despesas e demais encargos que menciona, sem falar nos créditos presumidos expressamente previstos.

Trata-se do chamado método indireto subtrativo, expressamente citado na exposição de motivos da Medida Provisória nº 135/03(7), utilizado na verdade com o fito de neutralizar parcialmente a carga fiscal suportada pelos participantes da cadeia produtiva. E dizemos parcialmente porque, inobstante tenha sido criada a dita sistemática "não-cumulativa" das Contribuições, os créditos são restritos e houve também significante aumento das alíquotas para as pessoas jurídicas sujeitas a este regime(8).

A respeito do assunto, assim se manifestou o jurista Edison Carlos Fernandes(9):

"Na análise da sistemática de não-cumulatividade adotada pela Lei nº 10.637, de 2002, conforme se constata da leitura do seu artigo 3º, temos que o Poder Executivo optou pelo Método Indireto Subtrativo, como forma de garantir a neutralidade da incidência da Contribuição ao PIS sobre todos os agentes da cadeia comercial. Embora o caput do artigo 3º faça referência a crédito, não estamos diante do Método de Crédito de Imposto, porque neste último, em decorrência de sua sistemática, o valor do tributo devido na etapa anterior da cadeia vem informado no documento fiscal; já naquele método, eleito pela Lei nº 10.637, de 2002, para ser aplicado á Contribuição ao PIS, o próprio contribuinte deve apurar o valor a ser abatido da aplicação da alíquota sobre o montante das vendas ou das prestações de serviço:
PIS = (Alíquotas x Receitas) – (Alíquota x Compras)
A legislação referente à Contribuição ao PIS, dessa forma, não adotou o mesmo mecanismo do ICMS e do IPI. (…)"

Como se vê, somos forçados a concluir que a natureza jurídica dos créditos de PIS e COFINS não pode, de forma alguma, ser equiparada à não-cumulatividade do ICMS e do IPI (sistema de créditos e débitos).

Aliás, da leitura da exposição de motivos das Medidas Provisórias instituidoras da nova sistemática aplicável às Contribuições(10), mormente no que tange à justificativa para a instituição da "não-cumulatividade", e levando-se em consideração a determinação legal no que concerne à forma de concessão e aproveitamento dos créditos, quer nos parecer que se trata, à bem da verdade, de efetiva subvenção estatal (créditos efetivamente outorgados, em sentido lato).

A propósito, vejamos a interpretação do jurista José Rubens Scharlack(11):

"Logo, constata-se que os créditos de PIS e Cofins não possuem a mesma natureza jurídica que os créditos de IPI ou de ICMS. Estes (os créditos de IPI e ICMS) estão lastrados na Constituição como forma de adstringir União e Estados a tributar apenas os valores agregados aos bens ou serviços em cada etapa da cadeia de valor e, no caso específico do ICMS, os créditos são deduzidos a partir do preço de bens e serviços gravados pelo imposto, como decorrência natural e explícita do princípio constitucional da não-cumulatividade. Aqueles (os créditos de PIS e COFINS), por sua vez, ostentam – e só podem ostentar! – outra natureza jurídica.
(…)
Nosso entendimento é de que os créditos de PIS e COFINS, concedidos pela legislação para reduzir o montante final a ser desembolsado pelos contribuintes, possuem a natureza jurídica de subvenções. Estas, dentro do direito positivo brasileiro, nada mais são do que incentivos outorgados por entes de direito público, uma vez justificados por relevante interesse público".(12)

Assim sendo, embora os créditos de PIS e COFINS se revistam de características ora de créditos físicos (efetiva entrada de bens/insumos), ora de créditos financeiros (com base nos custos), ora de créditos presumidos (expressamente concedidos e classificados pelas leis que regem as Contribuições), estamos convencidos de que se tratam de créditos outorgados, em sentido lato, revestindo as características de subvenção estatal.

Da Restrição à Utilização dos Créditos de PIS e COFINS

Embora tenhamos chegado à conclusão de que os créditos de PIS e COFINS originam-se da subvenção do Estado, isto não quer dizer, obviamente, que ao agente fiscalizador e arrecadador(13) é facultado interpretar a norma arbitrariamente e, com isso, restringir a utilização dos créditos.

É fato que as Leis 10.637/02 e 10.833/03 padecem de certos vícios pois elencaram hipóteses taxativas de tomada dos créditos, deixando de fora uma série de notórias despesas inerentes e necessárias à atividade empresarial(14), ainda mais após a edição da Emenda Constitucional nº 42/03, que não previu hipóteses de restrição.

Porém, é fato mais do que consumado que o Poder Executivo está usurpando a sua competência e aplicando uma série de restrições que não encontram respaldo legal, como é o caso dos valores despendidos com frete de produtos acabados entre estabelecimentos da mesma empresa, por exemplo.

Assim, ao invés de analisarmos estes vícios específicos(15), cuja interpretação e conclusão seguem linhas de raciocínio distintas, de êxito não tão certo, preferimos fazer um esforço interpretativo para analisar de forma harmônica a regra matriz de incidência e de instituição da sistemática "não-cumulativa" do PIS e da COFINS.

Avançando nesse sentido, temos que a concessão dos créditos de PIS e COFINS decorre de uma efetiva subvenção, nitidamente em função do apelo social(16). Temos também que o mandamento legal que rege o PIS e a COFINS "não-cumulativos" – sem criar aqui grandes celeumas em torno do assunto – determina a sua incidência sobre a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, independentemente da denominação ou classificação contábil(17).

À luz destas considerações preliminares, podemos, de pronto, exercitar o seguinte raciocínio: se nos termos da determinação legal o PIS e a COFINS incidem sobre o faturamento (i.e., totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica), e se o considerável aumento das alíquotas(18) foi supostamente neutralizado pela concessão de créditos, estes devem ser calculados sobre a totalidade dos custos/despesas inerentes à atividade da pessoa jurídica, sob pena de aumento excessivo da carga tributária, de ineficiência da pretensão do legislador ordinário e de afronta aos ditames constitucionais ora vigentes a respeito do assunto(19).

A esse respeito, permitam-nos trazer à baila a conclusão do Mestre Ricardo Lodi Ribeiro acerca do assunto(20):

"Diante de todo o exposto, ficou demonstrada que a não-cumulatividade do PIS e da COFINS segue disciplina constitucional própria, diversa daquela destinada ao ICMS e ao IPI, uma vez que as contribuições sociais em questão incidem sobre receita ou faturamento, realidade que não se confunde com a circulação de bens e serviços pela cadeia econômica.
Em conseqüência, a não-cumulatividade das contribuições incidentes sobre o faturamento é obtida a partir da dedução, em relação ao faturamento, das despesas necessárias para a produção do resultado econômico e auferimento da receita, a partir do modelo de dedução base sobre base.
Deste modo, fica clarificada a inconstitucionalidade da adoção da chamada não-cumulatividade do PIS e da Cofins pelas Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, por violação das matrizes constitucionais de competência tributária, extraída dos artigos 195, I, b e 239, da não-cumulatividade aplicável às referidas contribuições (art. 195, § 12), e dos princípios da isonomia tributária e do não-confisco, consagrados no artigo 150, II e IV, todos da Constituição Federal.
Por outro lado, uma regulamentação da não-cumulatividade conforme a Constituição leva ao reconhecimento do direito de crédito em relação a todas as despesas necessárias à produção do resultado econômico, inclusive as referentes à mão-de-obra prestada por pessoa física. (grifos nossos)

Dentro desse contexto, ou ficamos com este entendimento (i.e., crédito em relação à totalidade dos custos/despesas inerentes à consecução da atividade econômica empresarial), ou inevitavelmente teremos que nos ater aos vícios constitucionais e legais atinentes à sistemática "não-cumulativa" do PIS e da COFINS, desprezando-a por completo, inclusive no que concerne à majoração das alíquotas.

Da Questão Específica do Frete de Produtos Acabados entre Estabelecimentos da Mesma Empresa

Especificamente em relação à questão dos fretes intercompany de produtos acabados, mais um dispêndio financeiro em relação ao qual as Autoridades Fiscais relutam em aceitar a tomada de créditos de PIS e COFINS, outro entendimento não cabe, a nosso ver, se não o de que se trata de etapa essencial à atividade econômica da pessoa jurídica e, portanto, os gastos correlatos devem ser computados no cálculo dos créditos.

Nem se fale que esta operação não se encontra abarcada pelo conceito legal de insumo, haja vista que as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 em nenhum momento externaram tal conceituação e, dada a diferença das naturezas jurídicas dos tributos e da própria sistemática não-cumulativa, não há o menor cabimento pretender exportar conceitos da legislação do ICMS e/ou do IPI, como nitidamente fez a Instrução Normativa SRF nº 404/04(21), até porque, neste particular, em nenhum momento as aludidas leis previram a aplicação subsidiária de uma ou outra norma(22).

Como visto anteriormente, em razão do animus do legislador ordinário, da natureza jurídica e da própria regra matriz de incidência do PIS e da COFINS, não há como restringir o conceito de "insumo" a determinadas operações, para fins de tomada de créditos, uma vez que para fins de PIS e COFINS devemos nos basear não nas operações em si mas sim nos custos/despesas inerentes à atividade econômica empresarial, ensejadora da receita tributável pelas aludidas Contribuições.

Se analisarmos atentamente aos ensinamentos do ilustre Professor Aires F. Barreto, aqui parcialmente expostos, veremos que realmente não podemos chegar a outra conclusão, in verbis(23):

"Prevalecendo a hipótese – que julgamos absurda – a lei estaria em descompasso com o ordenamento jurídico, ao autorizar, tão-somente, a compensação de apenas alguns poucos "insumos" dentre os vários necessários ao exercício de qualquer atividade de prestação de serviços. O vocábulo insumo foi introduzido nos anos 70, pelos economistas, ao nosso vocabulário. Por insumo devemos entender os componentes necessários à obtenção de produtos, à circulação de mercadorias ou à prestação de serviços. São exemplos de insumos, além do capital: mão-de-obra, matéria-prima, materiais, máquinas, equipamentos, utensílios, instrumentos, aparelhos.
O segundo caminho – aquele que nos parece ser o correto – estaria em interpretar a Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, extraindo do inciso II de seu art. 3º o entendimento de que ali estaria a autorização geral para "descontar créditos" em relação a bens (materiais) e serviços (quaisquer), utilizados como insumo (direta ou obliquamente) na prestação de serviços. Essa exegese é que justificaria a inclusão da cláusula final, abrangendo combustíveis e lubrificantes, que, via de regra, não são aplicados ou consumidos (diretamente) na prestação de serviços.
Os incisos III a IX, mas especificamente os de III a VII, no caso de serviços, estariam a corroborar esse entendimento, porquanto contemplariam despesas, gastos, não obrigatoriamente aplicados ou consumidos na prestação dos serviços. Seriam meras explicitações, indicações de gastos que, entre outros, poderiam ser objeto de compensação. Dado o seu caráter exemplificativo, não afastariam abatimentos como os decorrentes de gastos com água, telefone, material de escritório, limpeza, contabilidade, dentre tantos outros.
Seria despropositado afirmar que, por exemplo, água – vital à própria sobrevivência do ser humano – não fosse vista como gasto necessário à prestação de serviços. Disso, já se vê não ser possível prevalecer o primeiro caminho." (grifos nossos)

O problema é que em relação aos dispêndios com frete intercompany de produtos acabados, a Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil ("COSIT") se pronunciou recentemente sobre o assunto, e a conclusão foi em desfavor dos contribuintes.

Vejamos a ementa da Solução de Divergência COSIT nº 11, de 27.09.07 (D.O.U. de 05.10.07).

"ASSUNTO: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins
EMENTA: Cofins – Apuração não-cumulativa. Créditos de despesas com fretes. Por não integrar o conceito de insumo utilizado na produção e nem ser considerada operação de venda, os valores das despesas efetuadas com fretes contratados, ainda, que pagos ou creditados a pessoas jurídicas domiciliadas no país para realização de transferências de mercadorias (produtos acabados) dos estabelecimentos industriais para os estabelecimentos distribuidores da mesma pessoa jurídica, não geram direito a créditos a serem descontados da Cofins devida. Somente os valores das despesas realizadas com fretes contratados para a entrega de mercadorias diretamente aos clientes adquirentes, desde que o ônus tenha sido suportado pela pessoa jurídica vendedora, é que geram direito a créditos a serem descontados da Cofins devida.

DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 10.833, de 2003, arts. 3º e 93, I.

ASSUNTO: Contribuição para o PIS/Pasep
EMENTA: PIS/Pasep – Apuração não-cumulativa. Créditos de despesas com fretes. Por não integrar o conceito de insumo utilizado na produção e nem ser considerada operação de venda, os valores das despesas efetuadas com fretes contratados, ainda, que pagos ou creditados a pessoas jurídicas domiciliadas no país para a transferências de mercadorias (produtos acabados) dos estabelecimentos industriais para os estabelecimentos distribuidores da mesma pessoa jurídica, não geram direito a créditos a serem descontados da Contribuição para o PIS/Pasep devida. Somente os valores das despesas realizadas com fretes contratados para a entrega de mercadorias diretamente aos clientes adquirentes, desde que o ônus tenha sido suportado pela pessoa jurídica vendedora, é que geram direito a créditos a serem descontados da Contribuição para o PIS/Pasep devida.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Leis nº 10.637, de 2002, art. 3º; Lei nº 10.833, de 2003, arts. 3º, IX, 15, II e 93, I e Lei nº 10.865, de 2004, art. 37.
ADALTO LACERDA DA SILVA – Coordenador-Geral"

Porém, somos da opinião que os contribuintes não devem se abalar e, muito pelo contrário, devem continuar sustentando o seu posicionamento em relação à possibilidade de creditamento do PIS e da COFINS em relação aos valores despendidos com frete de produtos acabados entre os seus estabelecimentos, sendo que acreditamos serem boas as chances de êxito em caso de litígio administrativo, lembrando que em caso de insucesso nesta esfera ainda é possível sustentar esta linha de argumentação junto ao Poder Judiciário, onde também vislumbramos serem boas as chances de êxito.

Na verdade, acreditamos que as Autoridades Fiscais estão concentrando atenção somente nas empresas que realizam este tipo de operação por conta de planejamentos tributários que adotam a utilização dos chamados "centros de distribuição", esquecendo, todavia, daqueles que o fazem também por conta da questão de logística, frisando-se, muitas vezes por problemas de logística.

Não é nenhuma novidade que, embora já no século XXI, o Brasil ainda apresenta sérios problemas em termos de infra-estrutura e logística. Nosso sistema ferroviário praticamente inexiste (em comparação com o espaço geográfico do País), o sistema rodoviário é precário em determinadas regiões, enfim, muitas vezes as empresas são obrigadas a direcionar seus produtos até um determinado ponto para a partir dali direcioná-los ao destinatário efetivo, às vezes até por intermédio de outra transportadora pois a primeira contratada não avança de determinado ponto.

É o típico caso dos transportes de longo percurso. E agora perguntamos: por acaso estes valores não compõem o custo efetivo da mercadoria, ainda que para fins contábeis existam regras próprias para a sua contabilização? É evidente que sim, motivo pelo qual é um verdadeiro contrasenso admitir a vedação aos créditos em relação a estes valores. Se assim fosse, estaríamos diante de um puro e simples aumento da carga tributária, parcialmente disfarçado, e não de um sistema que visa, ao menos teoricamente, melhor distribuir a tributação na cadeia produtiva.

Aliás, há de ser ressaltado que, por óbvio, a indigitada Solução de Divergência origina-se na existência de decisões não só desfavoráveis, mas também favoráveis aos Contribuintes, como por exemplo a que elencamos abaixo:

Solução e Consulta nº 71, de 28 de fevereiro de 2005
9ª Região Fiscal
"ASSUNTO: Contribuição para o PIS/Pasep
EMENTA: INDÚSTRIA E COMÉRCIO. FRETE ENTRE ESTABELE CIMENTOS DA MESMA EMPRESA. CRÉDITO. Respeitados os demais requisitos legais, no regime da não-cumulatividade, pode ser creditado o frete do produto acabado, entre o estabelecimento produtor e o estabelecimento distribuidor da mesma pessoa jurídica, caso constitua ônus suportado pelo vendedor, com fulcro no art. 15 da Lei nº 10.833, de 2003, cf. redação da Lei nº 10.865, de 2004.
ASSUNTO: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins
EMENTA: INDÚSTRIA E COMÉRCIO. FRETE ENTRE ESTABELE CIMENTOS DA MESMA EMPRESA. CRÉDITO. Respeitados os demais requisitos legais, no regime da não-cumulatividade, pode ser creditado o frete do produto acabado, entre o estabelecimento produtor e o estabelecimento distribuidor da mesma pessoa jurídica, caso constitua ônus suportado pelo vendedor, com fulcro no art. 3º, inciso IX, da Lei nº 10.833, de 2003."
(grifos nossos)

Em face do exposto, entendemos que os contribuintes devem continuar a empreitada no sentido de não concordarem pura e simplesmente com as mais absurdas e descabidas restrições impostas pela Administração Tributária Federal, defendendo os seus pontos de vista e buscando os seus direitos junto às Autoridades Julgadoras, ainda que o caso sub examine tenha que ser levado ao crivo do Poder Judiciário.

Notas

(1) Não analisaremos no presente estudo os argumentos que sustentam a inconstitucionalidade da instituição e/ou manutenção da sistemática "não-cumulativa" do PIS e da COFINS.

(2) Art. 155, § 2º, I, da CF/88 (ICMS), e art. 153, § 3º, II, da CF/88 (IPI).

(3) Lei nº 10.637/02 (PIS) e Lei nº 10.833/03 (COFINS).

(4) Art. 195, § 12, incluído pela Emenda Constitucional nº 42/03, editada após as leis instituidoras da "não-cumulatividade" do PIS e da COFINS.

(5) Estamos falando dos chamados impostos indiretos, em relação aos quais justifica-se a implementação da não-cumulatividade baseada na sistemática de créditos e débitos, com vistas a submeter à tributação somente o valor agregado, evitando assim a tributação em cascata (ao menos é isto o que se busca com a instituição desta sistemática aos impostos incidentes sobre o consumo, embora na prática as reiteradas restrições aos créditos acabem por permitir a incidência em cascata, em detrimento do consumidor final).

(6) Aqui estamos citando venda e prestação de serviços a título meramente exemplificativo, pois evidentemente o ICMS e IPI incidem em tantas outras operações, assim como o PIS e a COFINS, conseqüentemente.

(7) Posteriormente convertida na Lei nº 10.833/03 (não-cumulatividade da COFINS).

(8) Para 1,65% (PIS) e 7,6% (COFINS).

(9) In "Não-cumulatividade da Contribuição ao PIS, de Acordo com a Lei nº 10.637, de 2002 (MP 66), Revista Dialética de Direito Tributário nº 89, pág. 13.

(10) Medida Provisória nº 66/02 (PIS) e Medida Provisória nº 135/03 (COFINS).

(11) In "A Natureza Jurídica dos Créditos de PIS e Cofins Apurados no Regime de Não-cumulatividade", Revista Dialética de Direito Tributário nº 115, págs. 67 e 68.

(12) Neste mesmo sentido, assim concluiu o ilustre Edison Carlos Fernandes, in ob. cit., pág. 16 : "Especificamente para o caso em tela, considerando as distinções acima apresentadas, entendemos que o crédito de Contribuição para o PIS, com o intuito de neutralizar a sua incidência, tendo em vista seu objetivo, pode ser considerado como transferência de capital ou, na denominação dada pela legislação tributária, subvenção para investimento.

(13) Receita Federal do Brasil ("RFB").

(14) Assim entendidas as atividades comerciais, industriais e de prestação de serviços.

(15) Inconstitucionalidade formal e/ou material etc.

(16) Vide exposição de motivos da Medida Provisória nº 135/03: "Quanto às razões de urgência que justificam a adoção de medida provisória, estas decorrem: do clamor do empresariado nacional pela adoção de modelo de incidência não-cumulativa para as contribuições sociais, cuja instituição, no caso da COFINS, encontra-se determinada no art. 12 da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, além da necessidade de desonerar as exportações e de aumentar a competitividade dos produtos nacionais". (destacamos)

(17) Art. 1º, § 1º, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.

(18) PIS: de 0,65% para 1,65%; COFINS: de 3% para 7,6%.

(19) Lembrando que a Emenda Constitucional nº 42/03, ao incluir o § 12 ao artigo 195, da CF/88, não impôs qualquer restrição aos créditos e apenas determinou ao legislador ordinário a definição dos setores da atividade econômica que estariam sujeitos à sistemática "não-cumulativa" do PIS e da COFINS, o que está feito, pode-se dizer assim, pela via reversa pelas Leis nºs 10.637/02 (art. 8º) e 10.833/03 (art. 10). Vejamos o que diz o referido § 12: "A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas."

(20) In "A Não-cumulatividade das Contribuições Incidentes sobre o Faturamento na Constituição e nas Leis", Revista Dialética de Direito Tributário nº 111, pág. 110.

(22) Art. 8º, § 4º: "Para os efeitos da alínea "b" do inciso I do caput, entende-se como insumos: I – utilizados na fabricação ou produção de bens destinados à venda: a) a matéria-prima, o produto intermediário, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado; b) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na produção ou fabricação do produto; II – utilizados na prestação de serviços: a) os bens aplicados ou consumidos na prestação de serviços, desde que não estejam incluídos no ativo imobilizado; e b) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na prestação do serviço."

(23) E ainda que fizesse, insta ressaltar, persistiria o nosso questionamento.

(24) In "A Nova Cofins: Primeiros Apontamentos", Revista Dialética de Direito Tributário nº 103, pág. 10.

Aline Paladini Mammana Lavieri*
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