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A responsabilidade tributária dos contadores

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Chamavam-se guarda-livros. Registros e escriturações eram suas tarefas. Impuseram-se pela importância do trabalho. O maior escritor brasileiro exercia a profissão de contador. Em “Memorial de Aires”, publicado no início do século XX, Machado de Assis descreveu o personagem Aguiar como contabilista. Falava de si mesmo em seu livro mais autobiográfico.

Até hoje muita coisa mudou. O Fisco se transformou mediante o uso da inteligência artificial e o emprego direto das tecnologias. Os contribuintes racionalizaram suas condutas através de planejamentos fiscais, além de dotarem suas empresas de melhores níveis organizacionais. Novas lufadas de ar (aire) também atingiram os contadores, especialmente pela intersecção cada vez maior entre o Direito Tributário e a contabilidade.

A emissão de notas fiscais, DCTF, SPED, Escrituração Fiscal digital, sobre constituírem o dia-a-dia das empresas, retratam ainda um conjunto de obrigações acessórias destinadas a identificar e comprovar a ocorrência de fatos geradores com repercussão econômica (venda de mercadoria, renda, prestação de serviços), cujas atribuições são típicas dos contadores.

É, natural, portanto, que o direito passe a disciplinar as condutas praticadas pelos contadores no âmbito civil, penal e tributário em um cenário de ampliação e sofisticação de suas atividades profissionais.

Não se desconhece que os contadores estão sujeitos a responsabilidade civil. É a responsabilidade subjetiva, condicionada a comprovação do dano, da culpa e do nexo de causalidade entre a ação ou omissão do profissional liberal, nos termos do art. 14, §4º, CDC. Já no Código Civil, exige-se a pessoalidade da responsabilidade do contador perante o cliente para os atos culposos e a solidariedade para os dolosos (art. 1177).

De igual modo, os contadores submetem-se também a responsabilidade penal pela falsificação de vários documentos, conforme prevê o art. 293, Ie V; art. 297, III; art. 296, todos do Código Penal.

Há tempos que legisladores procuram criar hipóteses para legar ao contador a responsabilidade pelo pagamento dos tributos. Exemplo disso ocorreu com o advento da Lei nº 17.519/2011 proveniente do Estado de Goiás. Aqui, a lei atribuiu ao contador a responsabilidade solidária com o contribuinte ou com o substituto tributário quanto ao pagamento de impostos e penalidades pecuniárias no caso de suas ações ou omissões concorrerem para a prática de infração à legislação tributária.

Observa-se que este modelo de responsabilidade aplicável aos contadores não se compadece com a ordem jurídica tributária. Primeiro, porque não há interesse comum entre o contribuinte e o contador que justifique a existência de uma relação solidária (art. 124, CTN). Segundo, porque a denominada responsabilidade de terceiros pressupõe a prática de atos com excesso de poderes, infração à lei, estatuto ou contrato social, a teor do art. 135, CTN. Finalmente, não há mais dúvida que o mero ou simples inadimplemento da obrigação não atrai a responsabilidade de terceiros, matéria já consolidada no âmbito do STJ. Logo, entendemos que o sistema tributário não valida a transferência da responsabilidade tributária da empresa (contribuinte) para o profissional da contabilidade.

Geilson Salomão

Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP.

Professor de Direito Tributário da UFPB.

Associado ao Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT

Advogado

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