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A Reforma da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 11.638/07) e seus Impactos na Área Tributária

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Natanael Martins
Advogado em São Paulo; Professor nos Cursos de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, Centro de Extensão Universitária, IBMEC – São Paulo e GVLaw.

Em dezembro de 2007, foi promulgada a Lei 11.638/07, originária da conversão do Projeto de Lei 3.741, de 2000 – de relatoria do então Deputado Federal Emerson Kapaz, sucedido pelo Deputado Federal Armando Monteiro -, que promoveu profundas mudanças na Lei 6.404/76, diploma legislativo que regula as sociedades anônimas.

Em jornais de grande circulação nacional, especialmente o Valor Econômico, inúmeras entrevistas com renomados advogados e auditores foram publicadas, algumas veiculando opiniões de que a Lei 11.638/07 teria promovido consideráveis mudanças na legislação do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro, especialmente no que se refere ao tratamento que a legislação tributária dispensa ao ágio registrado na subscrição de ações ou na aquisição de investimentos, inclusive na disciplina de sua amortização em face de eventos de cisão, incorporação e fusão, bem como aos valores recebidos a título de subvenções e de doações feitas pelo Poder Público.

Por isso, nesses artigos, tais advogados e auditores concluem que as mudanças realizadas pela Lei poderão ser questionadas em juízo, entendendo alguns que o ideal seria que o Poder Executivo (Receita Federal), a exemplo do que fez quando da publicação da Lei 6.404/76 quando baixou o Decreto-Lei 1.598/77, via decreto ou ato declaratório interpretativo, regulamentasse os reflexos tributários que teriam se verificado.

Não obstante seja saudável que o Poder Executivo venha regulamentar a matéria, com a devida vênia, em nossa opinião, malgrado a Lei 11.638/07 realmente tenha promovido profundas modificações na lei das Sociedades Anônimas, especialmente no capítulo relativo às demonstrações financeiras das companhias, a verdade é que não vemos, das inovações ocorridas, modificações significativas na seara tributária.

Isso porque, em primeiro lugar, a Lei 11.638/07, como o seu próprio preâmbulo prenuncia, foi baixada com a finalidade de alterar dispositivos da Lei das Sociedades por Ações e não da legislação do imposto sobre a renda e da contribuição social sobre o lucro.

Realmente, no relatório aprovado na Comissão de Finanças e Tributação, a propósito dos desígnios do então Projeto de Lei, disse o Deputado Armando Monteiro:

"Deve-se registrar que a revisão ampla de nossa legislação societária, iniciada pela Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, teve como linha mestra a preocupação com o fortalecimento do mercado de capitais de nosso País, como instrumento viabilizador do auto-financiamento das empresas. Este projeto de Lei segue, exatamente, naquela direção.
Nesse sentido, com a adoção de normas contábeis compatíveis com os melhores padrões internacionais, buscou-se conferir maior proteção aos acionistas minoritários, com vistas a atrair entrada de novos recursos e permitir o desenvolvimento seguro do mercado de capitais."(1)

Em segundo lugar, porque desde o encaminhamento do Projeto de Lei 3.741/2000, o Poder Executivo, com as modificações que pretendia implantar na Lei das Sociedades Anônimas, não tinha em mente realizar qualquer modificação nas regras de tributação.

Tanto isso é verdade que o Poder Executivo, bem demonstrando o alcance das modificações introduzidas pela Lei 11.638/07, teve o cuidado de dar nova redação ao § 2º do art. 177 da Lei 6.404/76, além de nele também inserir, em reforço à idéia veiculada naquele parágrafo, o § 7º, vazados nos seguintes termos:

"Art. 177. (…)
(…)
§ 2º As disposições da lei tributária ou de legislação especial sobre atividade que constitui o objeto da companhia que conduzam à utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes ou à elaboração de outras demonstrações não elidem a obrigação de elaborar, para todos os fins desta lei, demonstrações financeiras em consonância com o disposto no caput (…)
(…)
§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados contábeis, nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários"

A Comissão de Valores Mobiliários, no comunicado que fez ao mercado a propósito da consulta pública sobre o ato normativo a ser emitido relativo à regulamentação da Lei 11.638/07, também deu a dimensão de sua aplicação:

"A referida Lei nº 11.638/07 teve origem no Projeto de Lei nº 3.741/2000, de iniciativa desta CVM junto ao Executivo, cuja finalidade maior era possibilitar a eliminação de algumas barreiras regulatórias que impediam a inserção total das companhias abertas no processo de convergência contábil internacional, além de aumentar o grau de transparência das demonstrações financeiras em geral, inclusive em relação às chamadas sociedades de grande porte não constituídas sob a forma de sociedade por ações." (2)

Nesse contexto, sem embargo do fato de que eventuais mudanças na aplicação dos princípios de contabilidade geralmente aceitos que venham a influir na determinação do lucro líquido das sociedades empresariais talvez possam afetar a determinação do imposto sobre a renda e a contribuição social sobre o lucro, a verdade é que as alterações promovidas pela Lei 11.638/07, prima facie, não tiveram o condão de revogar disposições expressas da legislação tributária que prescrevam métodos ou critérios diversos, como sucede, em nossa opinião, dentre outros, com a figura do ágio registrado na subscrição de ações ou pago na aquisição de investimentos, inclusive quanto às regras de sua amortização nos eventos de incorporação, cisão e fusão, bem como aos valores recebidos a título de subvenções ou doações promovidas pelo Poder Público.

Notas

(1) www.camara.gov.br

(2) http://www.cvm.gov.br/port/infos/Esclarecimento.pdf

Natanael Martins*
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